Talvez o relativo desaire eleitoral do partido de Artur Mas, nas
eleições catalãs do passado domingo, acalme a onda nacionalista que perpassa
pela Catalunha. Talvez. Mas vale a pena pensar no fenómeno, tanto naquilo que
pode estar na sua causa, como no que pode vir a ser a sua consequência. No
século XVII, Filipe IV, de Espanha, e III, de Portugal, viu-se confrontado com
dois movimentos que pretendiam separar-se da sua coroa. Um em Lisboa e outro em
Barcelona. Filipe IV abandona o reino
de Portugal ao duque de Bragança, D.
João IV, e acorre em defesa da sua soberania sobre a Catalunha. A tentação
independentista catalã, como se vê, não é uma inteira novidade. Pelo contrário,
é um desejo antigo sempre frustrado.
No entanto, o surto nacionalista catalão não é sintoma de um súbito
despertar do fervor nacional. Por outro lado, apesar da crise financeira ter importância,
ela não é o factor explicativo dos ares independentistas que têm varrido a
Catalunha. A ambição nacionalista catalã é o sintoma de uma profunda crise que
atravessa o projecto europeu. Só a natureza periclitante da União Europeia, só
as suas hesitações políticas, só a guerra egoísta instalada explicam que se
tenha aberto uma janela de oportunidade para o recrudescimento do nacionalismo.
Uma União Europeu forte política e economicamente diluiria o sonho
independentista.
As consequências de um referendo independentista na estabilidade
política da Península Ibérica são imprevisíveis. Mas se isso suceder, o
rastilho nacionalista atingirá, por certo, o País Basco, e poderá atear outros
focos, como a Galiza e a Comunidade Valenciana. Haverá ainda a resposta do
nacionalismo espanhol, dos sectores ultraconservadores provenientes do
franquismo e que, por certo, estarão ainda presentes no exército. Esta
instabilidade política agravará a débil situação económica de Espanha e terá
imediatamente repercussões em Portugal, repercussões de carácter económico, mas
também político.
O cenário mais negro, aquele que será desejável evitar a todo o
transe, poderá combinar o fim da União Europeia e a desagregação de Espanha com
crises económicas e financeiras ainda mais acentuadas. O que abriria as portas
a todas as espécies de aventuras políticas, as quais poderiam não excluir
guerras civis e reconfigurações violentas do mapa da Península Ibérica. É
preciso perceber que a vida pacífica da Europa e dos europeus tem estado fundada
na União Europeia. Sem ela, tudo se torna volátil, mesmo aquilo que parece
adquirido há décadas ou mesmo há séculos. Se há coisa que é fugidia e
impermanente são os mapas políticos.