sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Catalunha

A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.

Talvez o relativo desaire eleitoral do partido de Artur Mas, nas eleições catalãs do passado domingo, acalme a onda nacionalista que perpassa pela Catalunha. Talvez. Mas vale a pena pensar no fenómeno, tanto naquilo que pode estar na sua causa, como no que pode vir a ser a sua consequência. No século XVII, Filipe IV, de Espanha, e III, de Portugal, viu-se confrontado com dois movimentos que pretendiam separar-se da sua coroa. Um em Lisboa e outro em Barcelona. Filipe IV abandona o reino de Portugal ao duque de Bragança,  D. João IV, e acorre em defesa da sua soberania sobre a Catalunha. A tentação independentista catalã, como se vê, não é uma inteira novidade. Pelo contrário, é um desejo antigo sempre frustrado.

No entanto, o surto nacionalista catalão não é sintoma de um súbito despertar do fervor nacional. Por outro lado, apesar da crise financeira ter importância, ela não é o factor explicativo dos ares independentistas que têm varrido a Catalunha. A ambição nacionalista catalã é o sintoma de uma profunda crise que atravessa o projecto europeu. Só a natureza periclitante da União Europeia, só as suas hesitações políticas, só a guerra egoísta instalada explicam que se tenha aberto uma janela de oportunidade para o recrudescimento do nacionalismo. Uma União Europeu forte política e economicamente diluiria o sonho independentista.

As consequências de um referendo independentista na estabilidade política da Península Ibérica são imprevisíveis. Mas se isso suceder, o rastilho nacionalista atingirá, por certo, o País Basco, e poderá atear outros focos, como a Galiza e a Comunidade Valenciana. Haverá ainda a resposta do nacionalismo espanhol, dos sectores ultraconservadores provenientes do franquismo e que, por certo, estarão ainda presentes no exército. Esta instabilidade política agravará a débil situação económica de Espanha e terá imediatamente repercussões em Portugal, repercussões de carácter económico, mas também político.

O cenário mais negro, aquele que será desejável evitar a todo o transe, poderá combinar o fim da União Europeia e a desagregação de Espanha com crises económicas e financeiras ainda mais acentuadas. O que abriria as portas a todas as espécies de aventuras políticas, as quais poderiam não excluir guerras civis e reconfigurações violentas do mapa da Península Ibérica. É preciso perceber que a vida pacífica da Europa e dos europeus tem estado fundada na União Europeia. Sem ela, tudo se torna volátil, mesmo aquilo que parece adquirido há décadas ou mesmo há séculos. Se há coisa que é fugidia e impermanente são os mapas políticos.

2 comentários:

  1. Boa noite,
    Já aqui discreteamos sobre o problema Catalão e os seus efeitos colaterais mais do que previsíveis.
    O JCM numa análise muito mais rigorosa e objectiva como é seu apanágio e eu num registo mais ligeiro a costumo recorrer.
    Repito que não me atemoriza a possibilidade da Catalunha se soltar de Espanha e não vejo que essa “inevitabilidade” possa ser adiada durante muito mais tempo.
    A Espanha “una e indivisible“, não passa de um cadáver adiado que vai procriar vários países independentes.
    EM 1714 Filipe V de Espanha que até era “francês” (a França tinha mudado de estratégia) e que se não tivesse acontecido o 1640 seria o nosso IV, conseguiu suster a deserção da Catalunha e manietou o desejo de libertação dos catalães, mas não eliminou a sua vontade histórica.
    (Nem o fascismo o conseguiu fazer, antes pelo contrário.)
    Não sou um politólogo e muito menos faço futurologia, mas quem nos diz que uma recomposição da Europa que conhecemos, baseada em regiões-países, não poderá ser importante, para encontrar novas soluções políticas e económicas para este velho e decrépito continente?
    Tenha um bom fim-de-semana.

    Abraço

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    1. A questão catalã - mais que a basca, mas também esta - é central para o futuro da Península Ibérica. É um factor de enorme perturbação e não sei se será possível absorver esse previsível acontecimento de forma pacífica. Consta que o exército espanhol anda muito agastado com a corrupção moral. Esses agastamentos parecem ridículos hoje em dia, mas aquilo que é ridículo numa hora pode tornar-se efectivo na seguinte.

      Quanto à Europa, desconfio que nem de uma maneira ou de outra terá salvação. Foi imolada no altar do capitalismo financeiro. Os seus governantes venderam-na.

      Um bom fim-de-semana

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