Este novo filme
de Clint Eastwood não é, tecnicamente, um filme de Eastwood, mas tem tudo para
ser mais um filme do velho mito do cinema americano. Foi produzido por
Eastwood, realizado por um seu assistente de há longos anos, Robert Lorenz, e é
protagonizado por ele. Não há, no filme, surpresas e os estereótipos sobre a
sociedade americana alinham-se com a sequência previsível no pensamento
ideológico de Eastwood. No entanto, o filme não deixa de dar matéria ao
pensamento, pois encena, mais uma vez, uma reflexão sobre questões essenciais
que dizem respeito à vida dos homens.
O basebol serve
como metáfora sobre a vida em sociedade. O filme gira em torno de um olheiro,
Gus Lobel (Clint Eastwood), que procura jovens promessas para um clube
profissional. Lobel, porém, está velho e sofre de glaucoma. Perder a visão não
é a melhor notícia para quem tem por modo de vida ver jogar jovens promessas. O
filme é também uma reflexão sobre o envelhecimento, o processo da sua negação,
o mirífico triunfo sobre ela, triunfo fundado na experiência individual, na
seriedade profissional, mas também na solidão e dureza do herói americano, um
dos cultos de Eastwood.
Uma abordagem
desatenta poderia pensar que tudo gira em torno de um conflito de gerações. Uma
nova geração dentro do clube estaria prestes a correr com a anterior. No
entanto, não é isso que é o fundamental. Na economia moral do filme, os jovens distribuem-se com equidade por
ambos os campos morais, pelos heróis e pelos vilões. Na perspectiva moral, o
que está, de facto, em jogo é a lisura de processos. Por três vezes, o
comportamento oportunista, fundado na manipulação das aparências, é derrotado
por aqueles que são honestos e frontais. A frontalidade é mesmo uma das
qualidades morais mais importantes, como é hábito nos filmes de Eastwood.
Contrariamente ao que pensa o crítico de Público, o
conflito entre Gus Lobel, o olheiro que fazia as coisas à moda antiga, indo aos
locais ver os jogadores em acção, e aquele que quer ficar com o seu lugar, um
homem que colige estatísticas no computador sem pôr um pé nos campos, não
representa um reaccionarismo que expressa a dificuldade de Eastwood em lidar
com as modernidades do mundo, com os gadgets.
O problema não é esse, mas um velho conflito que vem do tempo do Iluminismo
entre uma sabedoria proveniente de uma longa experiência (o velho saber de
experiência feito) e um conhecimento meramente racional e, na prática, a priori daquilo que deve ser a
realidade.
O conflito entre
a experiência histórica – que foi um dos principais argumentos da reacção à
Revolução Francesa, como se pode ver em Joseph de Maistre, Louis de Bonald ou
Edmund Burke – em oposição aos imperativos ideais dados a priori pela razão – perspectiva onde sobressai Kant – é agora
encenado no filme em torno do velho Gus Lobel. O que está em jogo não é a
reacção ao computador, mas o desprezo de Eastwood por aqueles que não sujam as
mãos na porcaria da realidade, por aqueles que substituem o fluir concreto da
vida e o acumular da experiência por meras virtualidades, com as quais
pretendem julgar os outros e o mundo. É aqui que se centra o reaccionarismo heróico de Clint Eastwood.
Por outro lado,
e talvez seja esse o segredo que torna o actor e realizador americano apreciado
por gente tão diversa no espectro ideológico, o que está em jogo é a recusa da
burocracia. O computador do concorrente de Gus Lobel não representa a máquina –
e a consequente recusa reaccionária da máquina – mas a burocracia. O que este
filme de Eastwood permite, mais uma
vez, pensar é a conexão entre a razão pura a
priori e a burocratização asfixiante do mundo da vida, substituído por
estatísticas e relatórios. O filme representa a vitória da vida vivida, da
experiência histórica, sobre a burocracia dominante, sobre a razão desencarnada
e descorporalizada. E é isto que torna Clint Eastwood simpático, mesmo para
quem não admira particularmente o seu republicanismo
político.
"E é isto que torna Clint Eastwood simpático, mesmo para quem não admira particularmente o seu republicanismo político."
ResponderEliminarÉ um grande cineasta, sem dúvida.O problema não é tanto o seu republicanismo, mas sim o seu Bushismo e o seu Romneyismo.
Espero sinceramente que não chegue a apoiante do Tea Party.
Abraço
Talvez chegue um dia, mas o Tea Party tem alguns problemas com as liberdades individuais que não me parecem consentâneas com o que, até agora, Eastwood tem feito. Há nele um vibrante apelo à liberdade individual. O Tea Party parece-me, com exclusão da liberdade económica, demasiado inimigo da liberdade.
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