A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
A ideia de refundação do programa da troika defendida pelo primeiro-ministro nada tem a ver com a
renegociação da dívida e um alargamento dos prazos de pagamento. Isso teria
sentido de um ponto de vista reformista e paulatino que visasse manter um certo
equilíbrio social e uma harmonia na vida da comunidade. Os portugueses,
contudo, entregaram a governação a fanáticos que querem alterar radicalmente os
equilíbrios sociais.
A ideia de refundação tem um sentido político e outro económico muito
precisos: alterar substancialmente aquilo a que se chama Estado social,
entregar as áreas da saúde, da educação e parte da segurança social nas mãos
dos privados. Politicamente, o Estado ficaria livre da responsabilidade da
execução destas políticas e dos problemas que elas trazem. Tentaria, por outro
lado, diminuir a despesas com essas áreas que servem o grosso da população.
Isto não significaria, porém, que o Estado deixasse de financiar essas áreas à
custa dos impostos. A questão é outra.
Com a chegada da globalização e a abertura dos mercados, a classe
empresarial portuguesa foi perdendo, com algumas excepções dignas de realce,
mercado e áreas de negócio. As nossas empresas públicas estão a ser comprados
pelos estrangeiros. A educação e a saúde, bem como parte da segurança social,
podem tornar-se um belo negócio para certos grupos empresariais portugueses,
grupos habituados a grandes lucros à conta do Estado. O risco será nulo, pois o
Estado colocará lá o dinheiro, tendo as empresas apenas que achatar drasticamente os salários dos
profissionais dessas áreas e gerir as despesas, de forma que o Estado gaste
menos e elas ganhem o mais possível. Refundar significa passar para as mãos dos
empresários uma parte substantiva dos vencimentos de médicos, enfermeiros,
professores e outros técnicos ligados a essas actividades. Refundar significa
degradar drasticamente, através da privatização, esses serviços. Mas isso pouco
interessa, pois quem necessita deles pouco conta.
Toda a política que está a ser seguida visa isso mesmo. O governo só
tem interesse em que as coisas corram o pior possível e está a conduzi-las de
forma concertada para esse fim. O que está em jogo desde o princípio é
desestruturar a função social do Estado e entregá-la aos interesses privados.
Está-se a criar uma situação que conduza à inevitabilidade dessa entrega.
Estamos perante um jogo perigosíssimo cujas consequências sociais e políticas
estão longe de estar avaliadas. A refundação não passa de um jogo de roleta
russa em que o governo aponta a pistola ao país.
Este artigo remete-me para Karl Valentin:"E não se pode julgá-los?...
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