A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Um dos paradoxos da estúpida sociedade que estamos a criar liga-se com
o tempo de trabalho. Em linhas gerais, os horários de trabalho tendem a crescer
– em alguns casos começam a aproximar-se dos velhos e tenebrosos tempos da
primeira revolução industrial, no século XIX – e ao mesmo tempo um número cada
vez maior de pessoas não encontra, por muito que se esforce, um lugar para
trabalhar.
O caso português é sintomático. A ineficiência do país não resulta do
horário de trabalho, mas da baixíssima qualidade da gestão que é efectuada
pelos dirigentes, tanto de empresas privadas como de instituições públicas. O
aumento do horário de trabalho e a redução dos feriados e dos dias de férias
não tornam o país mais competitivo e mais rico. São antes a consagração da incompetência,
da desorganização e da falta de qualidade dos gestores, públicos e privados,
que dirigem as nossas instituições.
Sei que há países, como a China e a Índia, onde se trabalha muito mais
horas do que em Portugal. Países onde os trabalhadores, apesar do esforço,
continuam miseráveis. Também sei, porém, que existem países onde se trabalha
menos horas e menos dias por ano do que em Portugal, onde as pessoas produzem
muito mais e são recompensadas devidamente. Entre estes dois modelos, a elite
governamental e certos – não todos, felizmente – meios empresariais escolhem a
aproximação ao modelo asiático.
Mas aumentar o tempo de trabalho não significa apenas premiar a
ineficiência, a preguiça de pensar e organizar, a incapacidade de inovar nas
tarefas, a indisciplina, significa ainda
um exercício sádico de humilhação das pessoas. Estamos a tornar a vida num
autêntico inferno. Ou puro ócio e degradação individual por ausência de emprego
e de utilidade social, ou um exercício de rapina sobre o bem mais precioso que
foi dado ao ser humano, o tempo de vida. Cada vez menos se tem tempo para a
família, para as Igrejas, para os clubes desportivos e culturais, para as
organizações políticas, para a educação permanente ao longo da vida, para a
diversão pura e simples. Tudo isto está a ser sugado.
Estamos a construir a mais tenebrosa das sociedades, aquela que reduz
a vida do homem ao trabalho, transformando o velho animal rationale num mero animal
laborans, que não se distingue já de outros animais cuja vida se centra na
mera sobrevivência. Estamos a construir uma sociedade que destrói tudo –
cultura, lazer, religião, vida do espírito, amizade – em nome de uma suposta
eficiência económica, cuja avidez e maldade não têm limites.
Temo pensar e tremo que essa "tenebrosa" nos queira impor de novo, tabuletas onde se leia que "O trabalho liberta".
ResponderEliminarBom fim-de-semana sem maus pensamentos.
Abraço
Ela é apenas a voz - uma voz decidida, é verdade - de gente oculta que acha que o mundo deve trabalhar para eles.
EliminarAbraço e bom fim-dse-semana.
Apesar da grande verdade aqui apresentada, creio que para alguma coisa a História terá servido pois se vê cada vez mais gente consciente desta situação e que a não quer. Esperemos que essa gente seja mais poderosa no não querer do que a gente oculta que no-lo tenta impor. Levo o texto, claro, para o aumento da consciencialização...
ResponderEliminarVeremos, mas as forças obscuras parecem estar em toda a parte e terem armas demasiado poderosas. Veremos, se é que alguma vez se poderá ver o que quer que seja.
EliminarBom fim-de-semana.