quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A superioridade moral de Judas

Duccio di Buoninsegna - La Maesta. El pacto de Judas (1308-11)

Na figura arquetípica de Judas nós pensamos o princípio de traição. Traidor é aquele que entrega os seus a troco de uma vantagem pessoal. Ao mesmo tempo, porém, a mesma figura arquetípica - naquela ambiguidade presente nos verdadeiros símbolos - evidencia o reconhecimento do princípio moral que o seu comportamento negou. Esse reconhecimento, em Judas, manifesta-se no suicídio. A tensão gerada entre o acto de traição e o peso interior do princípio moral de fidelidade aos seus conduziu Judas à figueira onde se enforcou.

Uma das experiências morais mais interessantes, apesar da sua carga negativa, que estamos a fazer é a da subversão deste princípio moral, o qual sempre foi óbvio para a generalidade dos povos e dos indivíduos. A partir dos finais da década de oitenta do século passado, as governações ocidentais, de forma sistemática, começaram a trair deliberadamente os respectivos povos, entregando-os à voragem de interesses ocultos e sem controlo, que elas próprias tinham libertado, aquilo a que agora se chama mercados. Os governantes que tinham sido eleitos para defender os seus, não fizeram outra coisa senão vendê-los.

O cerne desta experiência moral, porém, está no facto de ela negar a traição enquanto valor moral negativo. Para toda esta gente que tem dirigido o destino dos povos europeus, ser eleito pelos respectivos povos e servir senhores apostados em conduzi-los à escravatura não se chama traição. Chama-se ajustamento. Todos estes governantes sabiam muito bem quem iria tirar partido das suas decisões e quem iria sofrer com elas. Decidiram entregar os seus povos nas mãos dos verdugos. Contudo, contrariamente a Judas, nenhum se enforca, antes pelo contrário. Sentem-se realizados pela dor e sofrimento que causam, e são tanto mais felizes quanto maior for o desespero dos seus, daqueles que os elegeram. Por fim, como não lhes falta a desfaçatez que Judas não teve, lançam terríveis campanhas para convencer o bom senso dos povos de que a traição é um valor moral digno de consideração, e que o único sentido elevado do agir humano é a traição aos seus. Ao pé desta gente, Judas ostentou uma superioridade moral incomensurável.

4 comentários:

  1. Concordo que a venalidade de Judas, transportada para os nossos dias, seria apenas um episódio menor,comparada com corrupção moral e material desta gente, que se vende mesmo antes do "galo começar cantar".

    Abraço

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  2. Que texto imprevisto e tão oportuno, tão acertado. A história de Judas, ao pé da dos judas que por aí pululam na maior impunidade, é uma historinha de crianças.

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    1. Uma coisa de crianças, mesmo. O exercício da traição tornou-se, nos dias de hoje e para certas elites, um dever...

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