sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O modelo alemão

A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.

O ministro Nuno Crato achou por bem aconselhar-se com os alemães sobre o ensino profissionalizante na escolaridade básica. Na Alemanha, a separação entre as vias de ensino é muito precoce e tem alguma rigidez. Apesar de alguma contestação, a pujança económica germânica e os salários elevados dos técnicos que vêm do ensino profissional acabam por justificar a manutenção do velho sistema educativo alemão.

Há em tudo isto, contudo, uma coisa que me deixa de pé atrás. Sócrates foi à Finlândia para se inspirar. A ministra de educação, com o seu apoio, adoptou o modelo educativo chileno (sic). Agora a moda é a Alemanha. Portugal não terá experiência suficiente para pensar a sua realidade educativa e construir um modelo adaptado aos portugueses? Somos finlandeses? Somos alemães? As nossas sociedades são iguais? Esta história da cooperação alemã é só mais um disparate a juntar-se a muitos outros.

No entanto, há um problema que tem de ser pensado de forma fria. No terceiro ciclo do ensino básico há um conjunto razoável de alunos que, na prática, recusa a escolarização tradicional e que, apesar de enormes esforços das escolas e dos professores, não quer seguir uma via teórica de escolarização, tornando-se factor de perturbação das aprendizagens dos outros alunos. Não há certamente estatísticas sobre a percentagem de alunos nesta situação, mas ela deve ter alguma dimensão. Estes alunos precisam de uma educação alternativa.

Por outro lado, é necessário alterar a forma de aceder aos cursos do ensino secundário. Há um número elevado de alunos que frequentam as várias áreas da via de ensino, os cursos científico-humanísticos, sem qualquer vocação ou interesse pelas matérias de estudo. Não é possível continuar a encher turmas de humanidades com alunos que não lêem nem querem ler. Como não é possível encher turmas científico-tecnológicas com alunos que detestam a física e odeiam a matemática.

É preciso fazer selecção no início do ensino secundário. Há mesmo que permitir a diferenciação de percursos no início do 3.º ciclo. Sei que esta ideia repugna à esquerda política. Mas o que se tem passado desde 1975 é enganar alunos, famílias e a comunidade em geral. Há que melhorar drasticamente os cursos profissionais. Não tenhamos, contudo, ilusões. A melhoria desses cursos precisa de uma economia a funcionar, e nós somos governados por uma ideologia que aposta tudo na destruição da economia. Para fazer o que é necessário não precisamos de ir à Alemanha (que está apostada em destruir a nossa economia), precisamos de saber o que queremos para Portugal.

8 comentários:

  1. Muito bem! Concordo em g^enero, numero e grau!
    E aqui tamb'em temos essa briga com as esquerdas pouco esclarecidas.
    Mas s'o uma coisa que idade tem as crianças na entrada do terceiro ciclo de vcs? Uma 'ultima coisa, pra essa proposta funcionar a qualidade da escola nos primeiros ciclos tinha de ser excepcional!

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    1. As crianças, em idade normal, chegam ao 3.º ciclo aos 12 anos. Quanto à qualidade dos primeiros ciclos não será diferente do resto do ensino e das coisas que se fazem em Portugal. Há de tudo, desde o excelente ao medíocre. Há um problema. O ensino, mesmo quando os salários eram razoavelmente altos, já não conseguia atrair os melhores alyunos, mesmo que tivessem vocação para tal. Hoje em dia, com a degradação salarial que existe e que se vai intensificar (os professores vão pagar a maior fatia da austeridade, pois é um corpo numeroso, onde os cortes de salários são muito rentáveis), não há esperança de inverter a situação.

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  2. Não sou um entendido na matéria, mas apreciei a leitura do texto.

    Enquanto cidadão interessado e interveniente, gostaria de dizer que não quero volar a viver num país em que os "doutores são os filhos dos "doutores" e os outros são os filhos dos outros.

    Abraço

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    1. Há aqui um problema terrível. Os que mais necessidade têm da escola, são os que investem menos nela. Mesmo quando as escolas e os professores investem excessivamente (horas e horas, apoios, paciência, etc.) neles, raramente há resultados claros e contínuos. O problema não é da escola. Ele passa-se num sítio em que a escola não pode interferir, que é o da liberdade das pessoas seguirem os seus interesses e instintos. A ideologia - à esquerda e à direita - tem uma função de ocultação da realidade, e as discussões são contaminadas ideologicamente. Não é que seja possível descontaminar completamente o assunto, mas é possível utilizar instrumentos críticos para diminuir o peso dos argumentos ideológicos sobre o assunto.

      Abraço.

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    2. "Os que mais necessidade têm da escola, são os que investem menos nela". Não esqueçamos porém, que são os que menos recursos teem para fazer o dito investimento. Se é verdade que os miúdos poderão ligar menos à escola, também é verdade que as escolas são diferentes entre sim e que onde a qualidade de ensino é superior ... as propinas são também superiores e nem todos conseguem lá chegar.

      Cumps.

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    3. O investimento a que me referia era aquele que não custa dinheiro. Trabalho, esforço, aproveirar as oportunidades que a escola pública oferece - e que são bastantes - e outras coisas do género. De resto, a escola pública portuguesa é gratuita, por enquanto. E o trabalho que faz, em geral, é bastante bom, tendo em conta os públicos alvo e as políticas governamentais. Sempre foi para mim claro que o trabalho da escola pública é superior ao da escola privada. E isso, apesar de todas as maldades que se lhe tem feito, continua a ser verdade. Bastaria trocar as populações para se ver os resultados. Mas isso é impossível.

      Cumps.

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    4. Não discuto se uma será melhor que a outra. Os dados dizem que os colégios privados tendem a ser superiores, mas em boa verdade o facto é que tudo contribui para o sucesso ou insucesso do aluno; começando pela educação dada em casa, passando pelo ambiente que o rodeia, etc.
      O dinheiro (ou falta dele) contribuirá para o bom ou mau ambiente que irá rodear uma criança. Não conheço dados estatísticos mas falo pelo que observo (ex. os divórcios disparam em épocas de crise) e portanto a educação é também ela uma vítima da crise.

      Cumps.

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    5. A vantagem dos colégios privados (alguns, apenas, pois outros têm resultados bastante maus) deve-se a duas coisas essenciais. Em primeiro lugar, ao público que recebem e que seleccionam. Em segundo lugar, à menor interferência do Ministério Educativo. Aliás, até há pouco tempo o ensino público atraía os melhores professores, pois pagava melhor. Hoje talvez já não seja assim, mas não conheço bem essa realidade.

      Cumps.

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