A minha crónica quinzenal no Jornal Torrejano.
A crise do subprime nos
Estados Unidos, desencadeada a partir de 2006, e a posterior crise das dívidas
soberanas do países do sul da Europa alimentaram, em certas zonas do mundo
intelectual, uma revivescência dos estudos marxistas. Este interesse por Karl
Marx deve, no entanto, ser lido segundo a máxima que o própria Marx aplicou ao
regresso de um Bonaparte ao poder: primeiro
como tragédia, depois como farsa. Se o interesse original por Marx provocou
não pequenas tragédias, o actual interesse militante deve ser interpretado no
domínio da farsa. Por muito bem que Marx tenha lido a natureza do capitalismo,
por úteis que ainda possam ser algumas ferramentas derivadas dos seus escritos,
a realidade da Europa e aquilo que se perfila no horizonte pedem outros dispositivos
para construir uma grelha interpretativa.
Em vez do revolucionário Marx, talvez seja mais interessante recorrer
a quatro velhos e contumazes reaccionários. Não para deles extrair uma
política, mas para nos ajudarem a construir quadros mentais para interpretar um
mundo que se tornou estranho e ameaçador. Quem são as luminárias? Em primeiro
lugar, Joseph de Maistre, o grande pensador da contra-revolução francesa, o feroz
inimigo do pensamento iluminista, o defensor de um catolicismo intransigente e
tradicionalista. Em segundo lugar, Friedrich Nietzsche, o pessimista que
diagnosticou o niilismo da cultura europeia. O terceiro é Oswald Spengler, o
alemão que escreveu O Declínio do
Ocidente, o livro publicado em 1918 e que nos fala da decadência da Europa
e do mundo europeu. Por fim, Samuel Huntington o conservador norte-americano
que defendeu que os grandes conflitos do século XXI não seriam ideológicos mas
culturais e civilizacionais.
Haverá quem diga que ando com más companhias. Quando se caminha para
os 60 anos, a natureza das companhias torna-se contudo pouco importante. O
fundamental é não se deixar iludir como se se tivesse 17 anos. O que temos à
nossa frente não é o caminho glorioso para a sociedade sem classes ou sequer
para uma sociedade aberta e justa, mas um mundo complexo, onde as ameaças são
muito mais amplas e presentes do que o bom senso e o equilíbrio. Estes quatro
autores – independentemente da profundidade de cada um – têm um dom que nestes
tempos é essencial: não vendem optimismo nem distribuem ilusões. O que nos
dizem é desagradável de escutar e não é feito para corações sentimentais. Mas
quem é que, hoje em dia, acha este mundo um lugar respeitável onde a esperança
é possível? Quem dá um cêntimo pelo futuro da Europa?
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.