Jordi Teixidor - Blanco (1996)
Aliás, a palavra cultura deixa
na indeterminação qual a coisa que se deve cultivar (o sangue e a terra ou o
espírito), enquanto o termo civilização designa imediatamente o processo que
visa a fazer do homem um cidadão e não um escravo, um homem das cidades e não
um rústico, um amante da paz e não da guerra, um ser civilizado e não um vadio.
Uma comunidade tribal pode muito bem ter uma cultura, isto é, produzir hinos,
cânticos, ornamentos para o seu vestuário e para as suas armas, olaria, danças,
e fruir de tudo isso. Não poderá, todavia, ser civilizada. Interrogo-me se o
facto do homem ocidental ter perdido muito do seu orgulho anterior, o orgulho
tranquilo e apropriado de ser civilizado, não é um fundamento da actual
ausência de resistência ao niilismo. (Leo Strauss, Sur le nihilisme allemand)
A conferência Sur le
nihilisme allemand foi pronunciada em 1941. Strauss encontrava-se já
nos EUA e assistia de longe ao domínio do nazismo sobre a sua pátria. A
conferência é uma análise do niilismo alemão que de certa forma está na origem
do fenómeno nazi. O que me interessa, porém, sublinhar é a velha distinção
entre cultura e civilização e perguntar se, nas actuais sociedades, não estamos
a assistir a uma regressão da civilização em detrimento da cultura. O
multiculturalismo tem sido usado como arma de arremesso para fazer recuar os
processos civilizacionais, entendidos estes à luz das palavras de Leo Strauss:
tornar o homem num cidadão e não num escravo.
Perceber isso, por seu turno, exige interrogar a conexão entre as
sociedades liberais e o niilismo, o que implica ainda uma outra interrogação: o
que torna o conceito de cidadão, nas sociedades actuais, tão frágil e permeável
ao não civilizado, ao não cívico? Será o seu carácter, nas sociedades modernas,
puramente formal? Será a sua conexão com uma organização política, o
Estado-Nação, que se encontra sob fogo de estruturas políticas infra-estaduais
(as regiões e os municípios) e supra-estaduais (a União Europeia, por exemplo)?
Será a própria natureza ontológica do cidadão, o que implica a investigação
daquilo que faz com que um cidadão seja um cidadão, isto é, a sua essência?
Seja qual for a questão que se coloque como determinante daquilo que dá que
pensar, o texto de Strauss abre para uma reflexão sobre a conexão entre
cidadania e niilismo, desviando este último conceito da área ética e da filosofia
da cultura, para o introduzir na reflexão sobre o político. (averomundo, 30/06/2009)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.