Romeo Mancini - Apocalipse (1964)
Podemos utilizar as palavras de diversas maneiras. Combinamo-las para formar frases que expressam os nossos estados subjectivos ou as nossas referências ao mundo. São dispositivos de expressão e de comunicação. São também fontes de prazer estético na poesia ou, se rigorosamente definidas, arrastam com elas os conceitos da ciência e da filosofia. São ainda uma outra coisa. São indicadores, como certos sinais de trânsito que indicam um caminho. Peguemos na palavra apocalipse. Para além de designar o livro bíblico, onde se anuncia a vitória da Igreja sobre os seus perseguidores, ela foi acumulando outros sentidos, como o de discurso obscuro, o de desgraça ou o de cataclismo. Esta conexão entre obscuridade e desgraça não deixa de ter interesse como se a falta de graça (a desgraça) implicasse uma obscuridade essencial. Mas aqui ainda nos movemos na esfera da significação. A palavra, na sua etimologia grega, significa tirar o véu. Aqui percebemos uma indicação de um caminho a seguir. Apocalipse indica um caminho ao homem, uma maneira de estar no mundo que se liga com a sua própria natureza. O homem é o animal que tira o véu que cobre as coisas, isto é, que as retira do seu fundo de obscuridade e as traz à luz. Contudo, a palavra traz com ela um aviso. O que o homem pode revelar é a sua própria desgraça. Esse fundo obscuro em que as coisas permanecem resguardadas pelo véu é um perigo que lhe pode trazer a desgraça. Assim a palavra apocalipse indica-nos um caminho e indica-nos também o preço da portagem.
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