Luís da Baviera (Ludwig), de Visconti, tem quase quatro horas de filme. Ao que
consta, Ludwig foi um fiasco de bilheteira e os críticos também não abonaram a
visão de Visconti sobre Luís II, o louco. Todavia estamos perante uma grande
obra. O cineasta mostra-nos um conjunto de tensões fundamentais onde a dimensão
singular das personagens, melhor, da personagem, se ergue como símbolo e
sintoma de uma época e do destino de uma casta que o tempo se preparava para
dispensar.
A primeira tensão, a que é estruturante do filme, joga-se entre a vida
estética e a vida política. Luís II é dilacerado pelo conflito entre a sua
natureza de esteta e os seus deveres políticos, enquanto Rei da Bavária. Deste
ponto de vista, o que Visconti mostra é a incompatibilidade entre os dois jogos
de linguagem, o conflito entre o efeito dissolvente do senso
comum político que a arte representa e a solidez que a vida da pólis necessariamente exige. A impossível, mas
sempre procurada, conciliação tem apenas como saídas a loucura, a abdicação e a morte do Rei.
Uma segunda leitura, permite, porém, perceber que o pendor estético de
Ludwig é a contrapartida de uma situação anacrónica. O tempo da aristocracia e
da sua ética tinha terminado. O ethos
do serviço e da lealdade aos valores mais elevados estava a ser substituído
pela visão burguesa do mundo. Ludwig, o louco, é a manifestação dessa morte,
que Visconti filma obsessivamente. Veja-se, por exemplo, Violência e Paixão ou
o Leopardo. É como se um mundo construído a partir da poesia homérica se
encontrasse agora definitivamente no fim.
Esse fim é mostrado seja na impossível paixão de Luís por sua prima,
Isabel da Áustria, seja pela admiração, até às raias da loucura, por Wagner e a
sua música, seja pela obsessiva construção de castelos absolutamente inúteis e
que nunca habitou. Todos estes casos simbolizam uma oclusão, uma
impossibilidade de conferir já sentido à acção. A demência de Ludwig, a sua
paranóia, não é, no filme de Visconti, apenas um caso subjectivo de natureza
psicológica, mas antes a imagem especular de um mundo em decomposição acelerada
e a morte dos valores que o sustentaram durante milénios. (averomundo, 2007/04/27)
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