Antonio Tapies - Collage del papel moneda (1951)
A minha crónica no Jornal Torrejano on-line.
Panama Papers parece o
título de um livro policial ou, talvez mais apropriadamente, o de um thriller de espionagem nos tempos da
Guerra Fria. Apesar de terem bastantes ingredientes policiais e de não estarem
destituídos de um certo sabor a espionagem, os Panama Papers são retratos muito realistas dos nossos actuais
descontentamentos, para usar uma expressão do historiador inglês, já
desaparecido, Tony Judt. O que retratam então estes arquivos?
Retratam, em primeiro lugar, como os poderosos, de diversos graus e de
diferentes extracções, vão ocultando aquilo que sustenta o seu poder, isto é, o
dinheiro. Mostram como o dinheiro legal (politicamente, declarado legal)
convive em harmonia com o semilegal e o abertamente ilegal. Tornam ainda evidente,
ainda mais evidente se tal fosse necessário, como tudo está montado para que as
classes médias sustentem solitárias as máquinas fiscais necessárias ao
funcionamento do Estado e que elas, juntamente com os grupos socialmente mais
deprimidos, se afundem numa pobreza irremediável.
Estes retratos da corrente putrefacção social, contudo, não são os
mais importantes. Os mais importantes são aqueles que nos mostram a grande
traição dos políticos ocidentais. Não me refiro aos que, por um percalço do
destino, foram apanhados nos incontáveis ficheiros agora trazidos a lume.
Refiro-me a todos aqueles que trabalharam para permitir os paraísos fiscais e
desregularam, tanto quanto puderam, o sistema de intervenção do Estado no mundo
dos negócios e da finança. Refiro-me aos que criaram a possibilidade de tudo
isto.
Legitimadas por maiorias populares, as elites políticas ocidentais
trabalharam afanosamente contra quem as elegeu. Alimentaram uma cruzada contra
o Estado social e, na Europa, declararam, através de Tratados nunca
referendados, a ilegalidade da social-democracia. Nos países mais frágeis
atiçaram, sem dó nem piedade e com o apoio explícito de políticos locais e de
uma imprensa subserviente, os cães da austeridade. Tudo em nome da
competitividade da economia, dessa economia cujos proventos foram postos a
recato, bem longe das autoridades fiscais, como estamos a descobrir na novela
exemplar dos Panama Papers.
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