Passam hoje 42 anos sobre o último dia do Estado Novo. A designação Estado Novo era há muito uma caricatura. Vivíamos num regime decrépito,
incapaz de evoluir e sem saída. Tenho bem viva em mim, numa memória dos meus oito anos,
a imagem dessa decrepitude. Estava-se no Verão de 1964, e acompanho a minha mãe
no acto de matrícula na terceira classe. A delegação escolar era no palácio
Mogo de Melo, na altura quase uma ruína, bem longe daquilo que, felizmente, é
hoje. Ao entrar, deparo-me com um ambiente sombrio, abafado, talvez com duas
secretárias, onde dois professores – que me pareceram ter quase 100 anos – , de
fato e gravata e com mangas de alpaca, escreviam lentamente, atazanados pelo
calor sufocante de Torres Novas, em enormes livros de registo. Quase oiço,
ainda agora, o ranger dos aparos das canetas sobre o papel. Por detrás das
secretárias, penduradas na parede, as fotografias de outros dois homens que aparentavam ser ainda mais velhos que os professores. Eram os retratos do Doutor Salazar, o Presidente do Conselho, e do Almirante Tomás, o Presidente da
República. Por uma janela semiaberta, entravam raios de sol. Iluminavam a poeira no ar.
Eu tinha oito anos e nenhuma interpretação política brotou, naquela hora, na
minha consciência. A imagem de decrepitude e desconsolo foi, contudo, tão
vívida que, mais tarde, se tornou para mim o retrato fiel de um regime que,
apesar de já velho e exausto, caiu apenas dez anos depois. E caiu de velhice.
Foram os alicerces – sim, os jovens capitães foram treinados para serem os
alicerces do regime – que ruíram e o edifício desabou. Sem grande estrondo.
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