Léon Kossof, Portrait of Philip, 1962 |
quarta-feira, 30 de setembro de 2020
A Garrafa Vazia 18
terça-feira, 29 de setembro de 2020
Beatitudes (28) Début
Loomis Dean, First US Debutante Ball held at Versailles Palace, at day time rehearsal in palace gardens, 1958 |
segunda-feira, 28 de setembro de 2020
Nocturnos 28
Júlio dos Reis Pereira, Nocturno, 1929 |
domingo, 27 de setembro de 2020
Carlos de Oliveira, Alcateia
Publicado em 1944, o romance Alcateia, de Carlos de Oliveira, teve uma segunda edição revista em1945, não existindo qualquer outra posterior, ao contrário dos restantes quatro romances do autor. Se Casa na Duna, de 1943, se centrava numa família específica de proprietários, para a qual o escritor, de acordo com a tradição rural portuguesa, usou a metáfora da casa, neste romance, apesar do problema da casa, enquanto continuidade familiar, não estar ausente, a metáfora da alcateia coloca o leitor de imediato perante um universo social mais amplo e complexo, mas por certo não menos fechado. O romance é um retrato da oclusão das micro-sociedades da província portuguesa, neste caso do universo da Gândara. Um mundo fechado sobre si, impenetrável, alimentado por relações onde o cerramento aproxima as pessoas e as diferenças sociais introduzem distanciamentos inultrapassáveis.
A penúria da terra gandaresa açoitada pelas secas gera no grupo social uma divisão extremada, uma ruptura na alcateia. De um lado, um conjunto de homens que formam um bando de assaltantes e que lançam o terror por toda a Gândara. No outro lado, aquilo a que se poderia chamar as elites locais que disputam, em torno dos interesses – grandes ali, embora miseráveis se olhados de fora –, os pequenos poderes, gerem as intrigas, as pequenas aversões e os grandes ódios. O problema desta divisão social é que ela acaba por ser estereotipada. Apesar de no bando de assaltantes também existir disputa e rivalidade, a forma como são construídas personagens mostra-os pessoas dotadas de uma bondada natural, que a sociedade, a vida e a sorte acaba por empurrar para o crime, numa formulação do mito do bom selvagem de Rousseau. Apesar de tudo, há neles vínculos que ultrapassam os limites conjunturais dos interesses e são esses laços que, ao serem traídos, geram uma violência insuportável. No outro lado, na outra alcateia, não há vínculos, apenas interesses e conflitos em torno dos interesses, antagonismos, dissimulação, cálculo, cinismo. A escassez, ao tocar também as elites locais, torna-as impiedosas e em conflito permanente entre si. No entanto, as personagens surgem como meros estereótipos, sem complexidade, sem dúvidas sobre o caminho a tomar, sem profundidade subjectiva. Traços de complexidade subjectiva emergem em alguns assaltantes e também numa personagem secundária, o filho do administrador da vila. Não estamos perante um épico da luta de classes, mas de uma leitura social que se esforça por enquadrar as personagens em arquétipos existentes a priori.
Para além da pobreza e da mesquinhez, a sensação de oclusão é dada por dois sinais. Por um lado, a ausência quase total de qualquer referência ao mundo fora da Gândara. O livro é publicado durante a segunda grande guerra, mas os acontecimentos da política internacional não são sequer aflorados, como se o espaço e o tem romanescos fossem não o fruto de uma História, mas o resultado de um destino que não é tocado pelas grandes tragédias que afligem a humanidade. Ali, naquele mundo autárquico, bastam os pequenos dramas. Um segundo sinal dessa oclusão é dado pela reacção do administrador e da mulher perante um amor de praia do filho. O problema é que ela era uma rapariga da cidade, e uma rapariga da cidade é demasiado senhora do seu nariz, tem iniciativa excessiva. A cidade permanece sempre por identificar, mas o facto dela vir da cidade causaria uma perturbação excessiva que o pequeno mundo da Gândara não conseguiria acomodar. O rapaz é coagido pelos pais a terminar o namoro e, incapaz de os enfrentar, cede ao seu desejo. Pode haver dois níveis de leitura desta oclusão do universo romanesco. Uma benévola dirá que estamos perante uma alegoria sobre a situação de Portugal. A clausura do ambiente social da Gândara não é outra coisa senão uma imagem concentrada de um país fechado sobre si mesmo. Uma leitura menos benévola sublinhará a natureza paroquial do romance, o seu pendor regionalista.
Um dos traços mais interessantes da obra, embora não constitua o seu objecto central, surge da relação entre Fernando e o pai, o administrador da vila, o representante dos poderes locais. A disputa em torno do namoro com a rapariga da cidade vai levar a um afastamento entre pai e filho. O sentido da vida do pai era o de transmitir uma posição e uma casa sólida ao filho, este, todavia, parece afastar-se decisivamente dele e do seu universo, aniquilando o sentido da sua existência. Em Coimbra, onde Fernando estuda, as companhias parecem levá-lo para outro mundo, dando-lhe outra visão da realidade, das relações sociais e da própria vida. Essa é a única fresta –pequena na economia do romance – para um além da Gândara e do mundo paroquial onde decorre a acção romanesca.
sábado, 26 de setembro de 2020
Roleta russa
A questão do novo coronavírus tornou-se uma espécie de
roleta russa em dois momentos. No primeiro, o tambor da pistola roda para
descobrirmos se somos ou não contaminados. Caso sejamos, ele torna a rodar,
agora de forma decisiva. Estamos entre os que resistem ou os que sucumbem.
Desde o princípio que as coisas são assim. No entanto, a intervenção política atempada
impediu um desastre. Agora, porém, o governo vai interferir o menos possível e
parece deixar quase completamente desregulado o mercado das contaminações.
Basta ver as medidas mobilizadas para o sector da educação para se perceber que
o país está metido num jogo de azar. Na prática, a orientação do governo coloca
nas mãos dos cidadãos o combate à pandemia e a tarefa de se defenderem. No Público,
Ana Sá Lopes escreveu que Portugal está agora a seguir a via sueca.
Isto lembra os tempos em que Sócrates achava que deveríamos seguir na educação a via finlandesa. Um desastre, claro, pois os portugueses não são finlandeses. A via sueca de combate à pandemia tem o mesmo problema. Nós não somos suecos. O nosso comportamento social, as nossas tradições comunitárias, a forma como nos relacionamos, nada disso se pode comparar ao que se passa na Suécia. Uma leitura benévola da nova orientação governamental poderia vir dos círculos liberais. O liberalismo advoga que cada um seja responsável por si, que sejam os cidadãos e não Estado a tomar decisões sobre como as pessoas se devem proteger. É isto que parece ser a nova política para a situação que se vive. Ora, tal como não somos suecos, também nunca fomos liberais, nem nunca vimos a autonomia pessoal como uma virtude particularmente estimável.
Para que a economia não pare e, ao mesmo tempo, não assistamos a uma catástrofe na saúde pública, para que o azar da roleta russa seja mitigado ao máximo, é necessário que os dirigentes políticos tratem os portugueses como portugueses e não efabulem sobre a nossa capacidade de nos respeitarmos uns aos outros. É preciso que o Estado não se demita das funções de segurança e protecção dos cidadãos. Isso não significa parar o país e fechar as pessoas em casa. Significa ter políticas muito claras de regulação dos comportamentos e de as fazer cumprir sem tergiversar. Não parece ser esta a melhor altura para uma súbita conversão dos socialistas ao liberalismo. Se for necessário, para a defesa da saúde e segurança públicas, o Estado ser paternalista, esta é uma ocasião em que esse paternalismo se justifica. O resto é colocar cada um de nós a jogar à roleta russa.
sexta-feira, 25 de setembro de 2020
A Garrafa Vazia 17
José de Almada Negreiros, sem título, 1913 |
Novembro de 2019
quinta-feira, 24 de setembro de 2020
Alma Pátria 65: Estêvão Amarante, Ó Ai Ó Linda
A comédia O Conde Barão, de Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e João Bastos, foi levada à cena pela primeira vez em 1918, no Teatro Politeama. É dessa peça que faz parte a canção Ó Ai Ó Linda interpretada por Estêvão Amarante (1894-1951) e que foi gravada em 1936, pela Valentim de Carvalho. Amarante é um dos mais importantes actores da sua época, tendo sido agraciado por dois regimes políticos, a República e o Estado Novo. Apesar de a peça ter sido criada em plena primeira República, o espírito da cançoneta integra-se perfeitamente na mentalidade social que se vivia sob a ditadura. Um erotismo ingénuo e quási brejeiro não afrontava a moralidade dos próceres do regime. Pelo contrário, servia como escape das tensões políticas e sociais que se abatiam sobre a sociedade portuguesa da época.
quarta-feira, 23 de setembro de 2020
Descrições fenomenológicas 58. Entre ruínas 2
Agnes, Martin, Sin título No. 2, 1977 |
De tudo o que
um dia preencheu aquela divisão, um quarto, por certo, resta uma poltrona. É
possível que, enquanto a casa foi habitada, quem lá vivia empregasse o francês fauteuil,
mas isso é uma conjectura derivada do gosto afrancesado com que a vivenda foi
arquitectada. No chão assoalhado, as tábuas estão todas no lugar. Nem o tempo
nem a humidade foram suficientes para as levantar. Os efeitos do caruncho,
porém, são já visíveis, formando ilhas escuras num mar em que os tons castanhos
acinzentados se tornaram dominantes. Vê-se no centro um sistema de dunas de
caliça, cuja origem se encontra num buraco do tecto, onde houve um terminal do
sistema eléctrico, que alimentava um candeeiro que alguém terá levado. Junto às
paredes, as dunas são substituídas por um areal raso. Naquelas são visíveis
rachas e um olhar distraído diria que se formou um sistema hidrográfico, ao
qual não faltam sequer alguns lagos. Os sítios que um dia suportaram o
interruptor e as tomadas eléctricas despiram-se e são agora buracos negros
circulares, poços que penetram as paredes, dos quais desapareceram, talvez
roubados, os fios de cobre que transportavam a energia eléctrica. A porta foi
retirada e a luz que chega da rua, por uma janela existente na parede oposta, é
apenas suficiente para deixar perceber que o corredor não está em melhores
condições que o quarto. Os lambris junto ao chão são pasto de fungos e, também
eles, vítimas da fome desvairada dos carcomas, vendo-se em toda a volta montículos
de pó de madeira. Em alguns sítios, o lambril já se despegou da parede,
deixando ver o reboco que durante anos escondeu. A poltrona forrada por um
tecido aveludado não deixa perceber a cor original. Rasgões, buracos e até
pequenos cortes, tudo isso coberto pelo pó esbranquiçado da caliça, configuram
um território inóspito. Há muito que ninguém ali se senta, nem os eventuais
saqueadores de ruínas ou algum vagabundo que, em noite de tempestade, se acolha
na casa. Espera que o tempo passe, que a casa seja reconstruída ou demolida,
para então merecer uma última atenção, quando lhe pegarem para a levar para a
lixeira.
terça-feira, 22 de setembro de 2020
Nocturnos 27
Keiichi Tahara, Nuit de Lisbonne, 1988 |
segunda-feira, 21 de setembro de 2020
Leo Perutz, O Cavaleiro Sueco
Para resolver o enigma que atormentou a existência de Maria Christine, o autor conta uma história de equívocos e trocas de identidade entre um ladrão perseguido pela justiça e um jovem aristocrata desertor do exército sueco. Esta troca de identidades, ocorrida num moinho e mediada por uma estranha personagem denominada o moleiro morto, entre seres pertencentes a estratos sociais tão diferenciados vai permitir que se perceba que as funções sociais constitutivas da identidade pessoal são facilmente reversíveis. Sem excessiva dificuldade o ladrão assume de forma convincente, perante terceiros, as funções e a vida de um aristocrata e, ao mesmo, tempo um aristocrata encontra um rumo para a sua existência ao assumir o destino de um ladrão. Nas circunstâncias onde decorre a sua nova vida, ambos passam muito bem por aquilo que não são. Desempenham os papéis sociais que os seus novos estatutos exigem sem que isso levante qualquer suspeita. O ladrão vivia entre a aristocracia como se de um aristocrata se tratasse, o aristocrata trabalhava nas fundições de um terrível bispo, que explorava os condenados que se refugiavam no seu território, sem que alguma vez fosse visto como outra coisa senão como um miserável condenado. O romance mostra que a identidade de cada um pouco tem que ver com o estatuto social. Este e facilmente reversível, pois não passa de mera representação teatral, papel que se assume e se representa mas que não se deve confundir com a identidade de cada um. À pergunta quem é aquele que se cruza connosco? a única resposta aceitável é a confissão da nossa ignorância. Conhecemos os papéis representados, não os actores que os representam.
O romance de Leo Perutz é uma espécie de fábula e como todas
as fábulas esta também terá os seus ensinamentos. Devido a um conjunto de
peripécias, os dois envolvidos na troca de identidades tornam-se a encontrar,
encontro mais uma vez mediado pelo moleiro morto, personagem que representa a
presença no romance do mundo encantado do mito e da superstição pré-iluminista,
numa época em que a realidade, devido ao avanço da modernidade, começava a
desencantar-se. Este encontro serve, na economia da narrativa, para uma nova
troca de identidades. O ladrão volta à sua condição de ladrão e homem condenado
e o aristocrata retorna à sua condição de cavaleiro sueco que procura juntar-se
aos exércitos do rei da Suécia. As peripécias da fortuna, o jogo de acasos e de
enganos, acaba por devolver cada um à sua anterior condição. Não se trata,
porém, de uma mera reposição do estatuto social, mas do sublinhar de que
ninguém tem o poder de fugir à sua condição ontológica, à sua natureza
essencial, pois esta não é uma mera determinação social, mas algo muito mais
fundo e anterior à condição social em que cada homem vive. Aquilo que cabe a
cada um desempenhar na existência não deriva nem de si mesmo nem da sociedade,
as ideias reguladoras das ideologias do século XIX e XX. Ninguém pode fugir à
sua natureza ou ao seu destino. As peripécias da vida, os equívocos e os
enganos servem apenas para fazer que cada um se acorde com o destino que lhe
foi – seja pela divindade ou pela natureza – destinado. Por mais que dele fuja,
é para ele que, através dessa fuga, se dirige. A resposta ao enigma que atormentou
a vida de Maria Christine nascida von Tornefeld, aparentando por vezes ser uma
comédia de enganos, não é outra coisa senão uma reflexão sobre a condição
humana na Terra. Uma pequena (pouco mais de 200 páginas, na edição portuguesa)
obra-prima.
domingo, 20 de setembro de 2020
A Garrafa Vazia 16
JCM, Geometrias Irregulares, 2020 |
aquele, selos.
Eu colecciono
marmitas
onde levo a sopa
para alimentar
a pobreza
de viver em de mim.
Novembro de 2019
sábado, 19 de setembro de 2020
Ensaio sobre a luz (86)
Nuno Calvet, Região de Santa Eulália, Campo Maior, 1979 |
sexta-feira, 18 de setembro de 2020
Diálogos aporéticos (09) - Afaste-se
Ed van der Elsken, Tokyo, 1984 |
- Não se aproxime.
- Mas…
- Já lhe disse não se aproxime de mim.
- Não estou contaminado.
- Não quero saber. Afasta-se, afaste-se.
- Também não sou radioactivo.
- Antes fosse.
- Isso seria terrível, não sabe que a radioactividade é…
- Não me interessa.
- Ao menos, deixe-me passar.
- Não. Afaste-se, volte para trás.
- Para trás?
- Sim, saia por onde entrou.
- Eu quero seguir na carruagem, comprei bilhete, tenho esse direito.
- Que a sua sombra não me toque, que a sua presença não me atormente a
viagem. Volte para trás. Não posso vê-lo, nem pensar que vai no mesmo comboio que
eu.
- Endoideceu?
- Se der mais um passo, grito.
- Nem me conhece, qual o motivo para tanta repugnância?
- Basta aquilo que vejo. Meteu conversa comigo.
- Não meti, foi você que começou.
- Pressenti aquilo que queria.
- É dada a pressentimentos?
- Cale-se, nem o posso ver.
- Que mal lhe fiz?
- Olhe para a sua camisa. Como é possível alguém usar uma camisa dessas e querer falar comigo? Volte para trás, depressa. Afaste-se.
quinta-feira, 17 de setembro de 2020
Perfis 4. A rapariga do cabaret
Arnold Genthe, Modern Torso, ca. 1918 |
quarta-feira, 16 de setembro de 2020
Nocturnos 26
terça-feira, 15 de setembro de 2020
A Garrafa Vazia 15
Amadeo de Souza-Cardoso, Tête, 1915 |
Falta-me de poeta
Novembro de 2019
segunda-feira, 14 de setembro de 2020
Ramón del Valle-Inclán, Sonata de Primavera
domingo, 13 de setembro de 2020
Nocturnos 25
sábado, 12 de setembro de 2020
A ruptura do discurso
sexta-feira, 11 de setembro de 2020
Beatitudes (27) A indignação
Robert Doisneau, La Dame Indignée, 1948 |
quinta-feira, 10 de setembro de 2020
A Garrafa Vazia 14
Leopoldo de Almeida, Vencido da Vida, 1922 |
Capitulemos todos.
Novembro de 2019
quarta-feira, 9 de setembro de 2020
Sonhos numa noite de Verão 22
José de Almada Negreiros, sem título, 1919 |
terça-feira, 8 de setembro de 2020
Descrições fenomenológicas 57. Entre ruínas 1
Leopoldo Novoa, Next time the fire, 1992 |
segunda-feira, 7 de setembro de 2020
Nocturnos 24
domingo, 6 de setembro de 2020
Tomás de Noronha, Volúpia que Salva
sábado, 5 de setembro de 2020
A Garrafa Vazia 13
Fernando Azevedo, Personagens preciosas, 1950-51 |
Novembro de 2019
sexta-feira, 4 de setembro de 2020
Nocturnos 23
quinta-feira, 3 de setembro de 2020
Beatitudes (26) A eternidade
António Carneiro, sem título, 1916 |