quinta-feira, 5 de maio de 2016

Livro do Êxodo 6. A canção oblíqua

Alexej Von Jawlensky - Song (1916)

Se ouvirem os gemidos dos filhos do mundo e nesse sopro uma canção então se erguer, cativem em vossas mãos, em sorte vos couberam, nuvens de quartzo, e se na hora a mais cálida a voz de um barítono se levantar por todo o acampamento, peguem nas máquinas e enterrem bem fundo o nome que vos deram. Dele já não sabereis a cor das sílabas, nem o sabor de cada letra, a vós vos disseram.

Sangrarão pelo esforço as falanges e delas se desprenderá pela noite a luz, iluminará de ervas ralas as bocas, a mão da cerzideira tão bem as trabalhou. Uma saraivada de remos pelas águas e a aurora virá, e tudo se revestirá de veludo negro; nem as abelhas o pólen delibarão, presas na ânsia, o cansaço a tece. Deixar-se-ão acorrentar na suada colmeia, se um Sol de neve declina no horizonte.

Não é tempo de sacrifícios; há muito os animais partiram, esquecidos do trabalho, os homens como destino lho deram. Apenas nos semáforos azuis haverá filas de insectos noctívagos, esperam a ordem, um anjo de cabelo ralo a ordenará. Oblíqua, a canção tomará por penhor as águas do poço, erguer-se-á sobre os restos calcinados do dia e, na escura noite, pela fúria hidráulica da roldana, astuciosa a lua renascerá.

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