Francisco Arjona - Viuda (1978)
Os cálamos da noite deslizam
entre mãos, e os farrapos do tempo, se o verde mancha a candura das colinas,
são soprados eternidade fora. As vozes, as vozes calam-se no zumbido das trevas,
e as mães, de cansada memória, repetem histórias de viúvas caídas na desgraça
do dia, perdidas no horizonte onde são sombra silente e sombria, oculta sombra
as habita. Nos céus, as viciadas viúvas vicejam lentamente, crescem para dentro
da santidade, são máquinas abertas ao silêncio, fátuo silêncio as alimenta.
Um som sibilado toca a
parturiente um instante e a criança chega: o esgar da face desvanece-se e o
horror, pois horror é, toma do mundo a rédea. Cruza-se gente, vai e vem, os
olhos rolam em direcção à terra; nela as pragas crescem, como se ainda um deus dos
homens o destino, friável destino, soubesse, como se uma viúva virginal
trouxesse, no anteparo da sua viuvez, um dragão puro e uma víbora de escamas e
solidão.
Sobre a inconstância do
coração nada se desenha: um rumor de espinhos une à vida a sombra disforme. Aí
o que caminha tem o seu corpo e com ele cria um espelho de urtigas e ervas
azedas, um vidro tão fosco como as colinas onde o Sol, cansado de iluminar a
terra, se põe. No rosto da cidade, há carros embuçados, calam-se, quando tudo
se desvanece na viuvez da tarde, nos olhos virginais que nos olham, no sexo
húmido das viúvas inconstantes, viúvas caídas, pelos calámos da noite bebidas
até ao vazio do último copo, do último corpo.
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