Tenho estado a ler textos na ortografia do português do século XIX.
Mesmo nos romances de Eça de Queirós, ainda tão próximos de nós pelo Portugal
que desenham, há uma ortografia que, aos olhos da actual, parece fantasmática.
O leitor sente-se fora de casa, apesar da beleza gráfica que descobre nos
lexemas. Ao olhar o texto, parece ter sido escrito noutra língua. Se comparo
esses textos (ainda que de forma impressionista, pois não sou
conhecedor da matéria) com textos franceses do século XIX e mesmo do XVIII,
fico com a sensação de que a ortografia francesa é muito mais estável que a
nossa. Existem diferenças, mas ao olhar para os textos, sinto-me em casa,
aquele foi o francês que aprendi e que leio ainda hoje. Pode ser que seja uma
ilusão óptica, mas até na ortografia vivemos em constante instabilidade. A
coisa que mais me impressiona, porém, é a disponibilidade revolucionária dos
portugueses para patetices como as reformas ortográficas. Um povo tão dado à
quietude e tão remexido na ortografia é um mistério, ou talvez não. Talvez
seja a quietude popular que permite estes arroubos desfiguradores de uma
língua, este terrorismo contra o património histórico presente na ortografia. Não
há governação que não se preocupe com a estabilidade governativa, mas quanto à
instabilidade ortográfica não há quem ponha fim ao desmando. (averomundo, 2010/02/07, acrescentado)
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