Edward Burne Jones - O anjo (1881)
Feriu o pó e levantou as
suas tremendas asas, erguendo-se. Não era pássaro, nem máquina que pelo engenho
voasse, mas simples anjo, daqueles que desfilam em procissões de aldeia, vestidos
de branco, o rosto coberto de suor e os pés exaustos, a tanta erva pisaram.
Subiu, enquanto na terra alteavam-se vozes à luz vagarosa e sombria da
macieira.
Nos outros dias, colava-se à
parede e aí ficava, imagem era, tão estático, no rosto um medo se lhe desenhava,
tomava conta das faces, invadia lábios, caía em borbotões pelo queixo,
levemente recolhido, inclinado sobre o peito. Nas asas azuis tinha então
escamas por penas; era um anjo aquático, habitava os poentes na fina dobra da
praia.
Quando não havia procissão e
assim se cobria de asas escamadas de
azul, envergava uma túnica de cíclames e cruzava as delicadas mãos sobre o
peito. Nesses dias, não voava, nem procurava do mar as águas. Olhava, olhava, olhava
para o indefinido ponto onde a geometria das horas nascia e traçava mapas em
sua mente, trabalho de geógrafo perdido em funestas dunas já desfolhadas pelos desertos
de areia.
À noite nunca o mensageiro
dormiu. Por vezes, despia-se. Horroriza-o o vazio lugar do sexo e cobria com as
mãos o rosto, espelho algum devolveria a cegueira da sua vergonha. Cansado,
deitava-se em cama de pedras e sonhava com searas de trigo a secar sobre as
águas marinhas, peixes de pão secos pela inclemência de um sol, a primavera o
esventrara.
Um dia, veio de entre as
algas um pássaro e olhou-o, depois inclinou tão ao de leve a cabeça e voou para
norte. Um silêncio de carvão soltou-se do fundo da alma e o anjo, agora um
querubim, pela primeira vez, sentiu lágrimas. Adormeceu sobre as pedras e
quando acordou doíam-lhe as costas. As asas, um simples papel de seda,
desprenderam-se. Quando despiu a túnica, a nenhum corpo a luz iluminou.
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