Giovanni Doménico Tiépolo - La expulsión de los mercaderes del templo (1760)
Dois trabalhos no Público
on-line tornam, mais uma vez, patente a natureza niilista das chamadas
sociedades de mercado e da ideologia do radicalismo liberal, aquilo a que se dá
o nome de neoliberalismo. Num artigo de opinião, Teresa
de Sousa questiona, a propósito dos refugiados e das negociatas entre
europeus e destes com o senhor Erdogan (cada vez mais impante e menos contido
na sua natureza) se os valores se tornaram mercadoria. Numa entrevista,
Henriques Gaspar, o
juiz presidente do Supremo Tribunal de Justiça, diz não saber o que é isso
da justiça estar ao serviço da competitividade e vais mais longe: “Não gosto de
utopias neoliberais na justiça”.
Estas duas tomadas de posição acabam por ter o mesmo alvo, a ideia de
que tudo se pode reduzir a uma mercadoria (o velho fetichismo da mercadoria) e
que todas as relações entre os seres humanos são, em última análise, relações
de mercado. A subjugação da política, da ética, da justiça e da religião à dinâmica da
economia de mercado é um dos elementos centrais do niilismo – da desvalorização
de todos os valores –, onde as nossas sociedades, desde que caíram nas mãos do terceiro estado, não deixam de se afundar. Vale a pena olhar para esse
efeito e perceber como ele funciona.
O mercado, com a sua lei da oferta e da procura, tornou claro que
nenhuma mercadoria tem um valor absoluto e objectivo. Perceber um determinado
bem como mercadoria é compreendê-lo na inexorável relatividade do seu valor. O
valor desse bem não depende dele, mas da competição que existe em torno da sua
aquisição. Quando o que está em questão são coisas (naturais ou produzidas) o
mercado é um bom expediente para resolver a questão prática do preço.
O grande problema é quando não se trata de coisas. A questão do velho Marx com
o liberalismo clássico, por exemplo, está centrada em torno do trabalho humano.
Será que é moralmente digno aceitar que o trabalho dos homens é uma mercadoria
entre outras? O problema, hoje em dia, é muito mais complexo do que no tempo de
Marx. Não é apenas o trabalho que é compreendido como mercadoria. Tudo se
tornou uma mercadoria.
Quando tudo se torna uma mercadoria, quando tudo se interpreta, mesmo
que sub-repticiamente, à luz da visão que ordena os mercados na determinação
dos preços, a política, a ética, a religião e a justiça perdem todo o seu valor intrínseco.
Não valem em si e por si mesmas, mas apenas se houver disputa por elas enquanto
bens a usufruir. Numa extraordinária inversão (que, curiosamente, estaria de
acordo com a teoria marxiana das relações entre as infra-estruturas económicas
e as super-estruturas ideológicas), a utopia neoliberal, como lhe chama o juiz
Henriques Gaspar, liberta o mercado da sua submissão à ética, à política e ao
direito, tornando-o, ao mercado com a sua lei de relativização de todo os bens,
como a fonte última de todos os valores e instituições. A vitória do terceiro
estado significa assim a aniquilação potencial de todos os valores. Seja o que for - amizade, justiça, compaixão, instituições jurídico-políticas - só vale a partir
da demanda que o mercado faz delas. Por si, não valem rigorosamente nada. E
como não valem nada, podem ser objecto de todas as manipulações. O mais puro
niilismo.
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