Jim Dine - Heart
Endurecido, o duro coração
entrega-se às trevas da manhã, e no rasto sombrio ergue, tão alto, a vara de
salgueiro. Encostado ao bordão de cinza, deixa-se flutuar, como se fora máquina
de aço inoxidável, tão pura e tão inoxidável, tão tonitruante máquina era o
coração. Árvores cobrem-se de folhas e, num prenúncio do tempo a vir, juncam de
sombras, tão sombrias, o chão. Ali, naquele território sombreado, os cães arrastam-se,
entre leves ganidos, em busca da floresta, da casa que um dia por morada tão
demoradamente haverão de ter. O Sol, o cintilante astro de ruídos e tumultos,
contrai-se, torna-se a cada dia que passa mais pequeno, arrasta pelos céus o perdido
fulgor de forasteiro, aquele a quem nestas casas por hóspede não se quer.
Severas imagens assim se
projectam diante do olhar, os jardins suspensos por cordas de sisal, ranúnculos,
anémonas, jacintos-de-água e uma violeta de ferro vinda das terras da monção,
negras praias de mar ondulante, um súbito tremor na tremura tremeluzente do
horizonte. Se pudesse contar-te um conto de fadas, príncipes, leves princesas, se
a minha voz se soltasse do silêncio, compreenderias a férrea violeta, nestes
jardins à gravidade tão avessos. Acode-me uma palavra de névoa, mas logo a
esqueço, e se me inclino para dizer o teu nome, suave delíquio atormenta-me a
fronte, dobra-a em direcção à sombra e recolhe no segredo, no secreto sigilo, as
palavras, todas as que tinha para dizer.
Em silêncio olho as falenas.
Anunciam os odores que aos pés paralisam e os prendem às janelas, onde o tempo
se vê passar, entristecido de a si se ter perdido no rio que não desagua,
nessas águas tintas de sangue e grandes cardumes, os peixes que fogem das
manhãs marítimas, da maresia que dissolve o mar e o deposita na areia da
loucura, da imprudência de um coração endurecido, entregue à insensatez do
excesso, às severas imagens que o olhar vê projectadas no ecrã da memória.
Atravessado bem no centro por um triste, tão triste, caminhante, o coração, no
duro pulsar dos dias, envolve-se na crosta, uma terra quebradiça e quase
castanha, que o sangue ao secar, no processo lento da evaporação das águas,
sobre ele faz cair, numa precipitação ruidosa, que até os olhos, tão serenos
perante a estrídula tonitruância, se calam.
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