(foto daqui)
Por norma, não sou dado a referências ao 1.º de Maio. Agora está na moda desprezar tudo o que vem dos sindicatos e do mundo do trabalho. Está também na moda defender a extinção dos sindicatos e de todos os movimentos colectivos dos trabalhadores. O fim da contratação colectiva, por exemplo. O 1.º de Maio é visto com condescendência e desprezo, o mesmo desprezo com que são tratados os dirigentes sindicais. Por isso mesmo, apetece-me escrever sobre o 1.º de Maio. Não sobre a sua história, as causas empíricas que conduziram à instauração do 1.º de Maio como feriado em muitos países. Também não sobre as manifestações celebratórias que ocorrem, manifestações que continuam a ser importantes. Quero falar daquilo que sindicatos e 1.º de Maio são sintomas.
As sociedade liberais são fundadas na ideia de contrato. E na figura do contrato são pensadas as figuras das partes contratantes que, sendo livre e iguais, estabelecem um acordo que é válido e obrigatório para as partes envolvidas. Tudo estaria muito bem, se isto não fosse uma ficção. Uma ficção útil, mas ainda assim uma ficção. Porquê uma ficção? Pelo simples facto de a igualdade ser apenas formal. Em muitos contratos, nomeadamente os que envolvem a prestação de serviços a terceiros, uma parte é livre, ou mais livre pois possui mais poder, e a outra está submetida à mais pura e dura necessidade. Formalmente, pode não aceitar estabelecer o contrato, mas materialmente é coagida a aceitar condições que, não fora a necessidade, contrataria de outra forma. É esta situação que conceitos como de capital humano - emergente já em Adam Smith, mas teorizado em Theodor Schulz e Gary Becker - tendem a ocultar.
A existência de sindicatos e acontecimentos celebratórios como o 1.º de Maio são o sintoma dessa ficção. É porque há uma enorme desproporção, na generalidade dos casos, entre a liberdade do que contrata e a liberdade do que é contratado que o sindicalismo continua a fazer todo o sentido, e o 1.º de Maio é um dia que merece ser respeitado. A completa destruição do mundo sindical e dos seus símbolos significaria a radicalização mais tenebrosa da sociedade, tornando os que são mais fracos - e essa fraqueza é, na generalidade das vezes, fruto de acontecimentos que eles não dominam e de que não são responsáveis - presas ainda mais dóceis dos que, pela sua condição social, dispõem de uma liberdade positiva muito mais ampla e de uma força negocial incomparavelmente superior. O 1.º de Maio e os sindicatos são importantes porque tornam visível a fragilidade da ficção contratual. São um contributo para uma sociedade menos injusta, mais equilibrada e, por isso, mais digna. É bom não esquecer isto, agora que a retórica do empreendedorismo e a ilusão do empresário de si mesmo florescem naqueles que estão sempre dispostos a servir os que são fortes.
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