Albert Rafols Casamada - Nuevos proyectos de poesía (1968)
A minha crónica quinzenal no Jornal Torrejano.
A poesia, quando entendida ao nível do senso comum, é vista ou como
expressão de sentimentos ou como arma de transformação do mundo. Ela, porém,
nada tem a ver com a expressão de sentimentos pessoais. Ainda menos é uma
aliada dos transformadores do mundo e da história. Um poema é, como salientou
Octavio Paz, uma máquina que produz anti-história. Esta ideia é fundamental
para perceber essa estranha coisa que é criar textos que colidem
propositadamente com a linguagem da comunicação e a visão corrente do mundo e
da história. Textos obscuros onde o sentido vacila, apesar do ritmo sedutor que
os habita.
A poesia é, mais que tudo, uma luta com o tempo, um corpo a corpo com
o fluir da temporalidade. A idade moderna fez entrar na consciência dos homens
a ideia de progresso. Progresso moral, social, tecnológico. A poesia resiste a
louvar-se em tal ideia. Porquê? Porque o progresso implica o fluir do tempo, a
sua passagem, aquele trânsito que nos há-de conduzir do pior para o melhor. Ora
o fluir do tempo implica também a nossa morte. As sociedades tradicionais eram
organizadas de uma forma cíclica. Valorizavam o eterno retorno das estações e
celebravam-no. Era a sua forma de lutar contra a história e a morte.
As sociedades modernas perderam a consciência do tempo cíclico, do
eterno retorno do mesmo, e a retórica do progresso – que ainda hoje anima
alguns exaltados – desfez o véu ilusório, mas fundamental para dar sentido à
vida, de um tempo que sempre retorna. Ficou a poesia. Ela é o dispositivo que
resta na luta contra o tempo, na busca da experiência mítica, na reconstrução
de um véu de ilusão que nos permite aceitar a vida e a morte. Por isso, ela
luta com e contra a língua, destrói-lhe os hábitos, obscurece o significado,
conflitua com a gramática, para que desça até aos homens uma linguagem mais
pura e original, não maculada pela história, e lhes proporcione a ilusão que
eles precisam para viver e para aceitar a sua inelutável mortalidade.
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