Tom Wesselmann - TV Still Life (1965)
Sempre que vejo um telejornal sinto uma enorme náusea. Em tempos, os
serviços noticiosos das televisões visavam informar, o mais objectivamente
possível, os cidadãos. Inscreviam-se ainda numa visão do mundo consubstanciada
na velha frase de Hegel “a leitura dos jornais pela manhã é a oração do homem
moderno”. A informação sobre o estado do mundo era um elemento central para a
tomada de decisão. A informação pretendia-se descritiva, sintética e, dentro do
possível, objectiva, neutra e imparcial. Ela era dirigida à razão e pressupunha a capacidade de entender o mundo para além das emoções que os seus acontecimentos provocavam no agente racional.
Hoje em dia, os telejornais substituíram a descrição sintética dos
factos pela narrativa. Não se dão notícias, produzem-se pequenas telenovelas,
onde os jornalistas, obrigados a ocupar largos minutos de antena com um
palavreado oco, funcionam como elemento concatenador que solda os vários
elementos da intriga. Ouvem-se múltiplas pessoas e até, se possível, várias
perspectivas sobre o assunto em questão. Dá-se a ilusão de uma multiplicidade
de pontos de vista, assente na ideia de que a verdade do acontecimento resulta
do jogo das intersubjectividades, cada uma das quais expressa a sua
particular verdade. Seja um ataque terrorista, um acidente, uma greve, um
acontecimento político ou desportivo, o modelo é sempre o mesmo.
Esta substituição da descrição sintética e objectiva da factualidade
pela narração telenovelesca tem, como se pode constatar, uma consequência nos
noticiários televisivos. Deixaram de ser informação e passaram a ser
entretenimento. Péssimo entretenimento, mas entretenimento. O corolário disto é
que os acontecimentos já não conduzem a qualquer tomada de posição nem de
decisão. A informação deixou de orientar-se para a razão. O fundamental não é saber a verdade sobre os factos e o que se pode e
deve fazer perante aquele estado do mundo, mas saber como evolui a intriga e
acaba a história. Depois de consumida esta, espera-se pela próxima novela. O
suporte informativo de decisões racionais foi substituído por uma máquina de
produção de pequenas excitações e de emoções fáceis e de baixo custo.
Não se pense, porém, que tudo isto resulta de uma cabala tenebrosa
para manter a população alienada. Haverá, por certo, múltiplos factores que
conduziram a informação ao estado actual. Salientem-se dois. Em primeiro lugar,
a tomada de consciência, pelos responsáveis informativos, da importância
crucial, na vida dos homens, da narrativa, do contar histórias. O homem é um
animal narrativo, tem paixão pela intriga e um prazer específico em descobrir como
se desata o nó que cada acontecimento encerra. Em segundo lugar, a própria democratização
das sociedades de massas criou um mercado para este tipo de telenovelas
noticiosas. A degradação da informação em entretenimento não é uma conspiração
dos poderosos, mas uma exigência das pessoas. São elas que constituem o mercado
para o qual se orientam as televisões. Como em tudo, também na qualidade da
informação – neste caso, na sua degradação em entretenimento – vê-se reflectida
a natureza cultural e cívica da comunidade que a consome. Um estranho destino para a esfera pública burguesa nascida das exigências da razão crítica.
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