Masaccio - A Virgem da Humildade
A minha crónica no Jornal Torrejano.
Não quero deixar passar em claro a oportunidade, oferecida pela
conquista do 35.º campeonato pelo Sport Lisboa e Benfica, para reflectir numa
virtude que, no actual contexto cultural, parece ter sido completamente
desvalorizada: a humildade. Se há um factor central no triunfo do clube da Luz,
esse é a humildade, virtude encarnada na pessoa de Rui Vitória e que
transbordou para toda a equipa e pessoal dirigente. Mesmo no momento da
consagração, assistiu-se a grande contenção nas palavras e a nula vanglória.
A humildade significa o reconhecimento dos seus limites. Significa
também a clara percepção de que, nos negócios humanos, aos quais o futebol
pertence, nem tudo é controlável, e que uma parte do sucesso se deve, para além
do trabalho duro, à fortuna, para falar à moda dos antigos romanos, ou à graça,
se se quiser uma tonalidade mais cristã. O treinador do Benfica, sem nunca
abdicar do empenho no que estava a fazer, pautou-se por uma atitude discreta e
comedida. Evitou o pior dos males, aquele que os gregos diziam atrair, na
figura das Erínias, a desgraça. Evitou a arrogância e a desmedida.
A humildade não é apenas uma virtude social, uma virtude onde a pessoa
evita mostrar-se superior aos outros, sendo-o ou não. É também uma virtude
pessoal que conduz ao reconhecimento de que não se é um deus e que, em tudo o
que se faz, há uma enorme imperfeição. E é este reconhecimento da imperfeição
das nossas obras que é o motor central para que se ultrapassem falhas, defeitos
e limitações. Só aquele que tem a clara consciência da sua imperfeição julga
ter de se ultrapassar.
Foi isso que se viu com Rui Vitória. Foi isso que, contra todas as
expectativas, lhe trouxe a glória. É nisso que todos nós deveríamos meditar.
Não está na moda ser humilde. O culto dos homens de sucesso é, por norma, o
culto de egos inflacionados. As televisões e as redes sociais ajudam a essa
inflação, divinizando, por curtos instantes, aquele que se deixa embalar no
canto da sereia. O que a nossa sociedade precisa, porém, não é de gente com
umbigo dilatado, mas de exemplos que nos ajudem a perceber que o caminho para
melhorar passa pela humilde aceitação das suas imperfeições e limitações.
Exemplos como o de Rui Vitória. Espero que não mude.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.