Emil Nolde - Dark Sea (Green Sky)
Abriu-se uma ferida de sangue no sangue das águas, como se a dura
pedra, a solidez a suporta, as tivesse tocado e em seu caminho continuasse,
incólume, esquiva, suspensa na tecelagem com que o barqueiro, nos dias mais
negros, a fabricara. Os ventos vieram e, ao tocarem a superfície das águas,
arvoraram impérios circulares, pátrias de oclusas fronteiras, uma navegação
incerta. Quando nelas se entra, passada a raia sempre movente, respira-se um
gás tépido, emanação do furúnculo, que no centro do centro corrói cada momento,
suspende-o, torna-o, em precária situação, visível, antes de o devorar com uma
boca de algas roxas e dentes de sílex, afiados pelas areias da praia, vorazes
areias tem.
Se de uma vara erguida na luz do ombro ainda fizeres um remo, talvez
um barco venha solícito em busca do barqueiro. Não terá proa nem ré, nem sobre
as águas se moverá. Ficará suspenso e, enquanto o remador olha o horizonte,
deixando os músculos no ir e vir de quem no mar se afadiga, o barco ondulará,
atado nas cordas, ao céu o prendem, ligado por cabos de salitre às escuras
nuvens, o vento as impele, que correm de casa em casa, procuram os filhos há
muito abandonados à melancolia da paisagem, a crosta da terra de cinza cobre. Tecedeiras
urdem assim, com suas mãos, os afilados dedos, na água entram, pois o
barqueiro, ferido de sangue, aí os devora.
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