Georges Seurat - Lady with a Monkey (1884-85)
A Condição Pós-moderna, escrita como uma encomenda
oficial, restringe-se essencialmente ao destino epistemológico das
ciências naturais - a cujo respeito, como Lyotard mais tarde confessou, o
seu conhecimento era menos do que limitado. O que ele entreviu nelas
foi um pluralismo cognitivo, baseado na noção - inédita para os públicos
franceses, embora já há muito estereotipada para os anglo-saxonicos -
dos diferentes e incomensuráveis jogos linguísticos. A incoerência da
concepção original de Wittgenstein, muitas vezes notada, foi apenas acrescida
pela afirmação de Lyotard de que tais jogos eram autárcicos e agonísticos,
como se pudesse haver um conflito naquilo que não possui uma medida comum. A
influência subsequente do livro esteve, neste sentido, em relação inversa ao
seu interesse intelectual, quando se converteu na inspiração de um relativismo
vulgar que, muitas vezes - aos olhos quer dos amigos, quer dos inimigos - passa
pela marca do pós-modernismo. [Perry Anderson, As Origens da
Pós-Modernidade. Lisboa: Ed. 70, pp. 39/40]
Esta mesma marca de irrelevância intelectual
de um dos mais famosos livros sobre a pós-modernidade é assumida pelo próprio Lyotard:
"Inventei histórias, referi-me a um rol de livros que nunca lera,
aparentemente causou impressão nas pessoas, mas tudo se resume a um pouco de
paródia... É o pior dos meus livros; quase todos são maus, mas este é o
pior": [Lotta Poética, Terceira Série, Vol. l, N° l, Janeiro
1987, p. 82 (idem, pp. 39)].
Há, no entanto, qualquer coisa no livro de Lyotard que
é pregnante. Essa força advém-lhe do próprio carácter paródico. Lyotard podia
saber pouco do que falava no seu célebre relatório, podia ter inventado histórias,
podia citar livros que nunca lera, mas isso não torna a sua obra menos significativa relativamente
ao espírito pós-moderno. Pelo contrário, o livro como atitude intelectual
parece ser o resumo da pós-modernidade, do carácter paródico em que a
própria vida e o saber se tornaram. A pós-modernidade é esse momento que, após
a solidez material do mundo moderno, tudo se dissolve, se torna leve e risível.
A risibilidade da existência só encontra o seu outro
na risibilidade do saber, de um saber que cresce exponencialmente, mas com o
qual os seres humanos são cada vez menos sábios e menos humanos. Um relatório
sobre o destino epistemológico das ciências naturais pode ser um
motivo tão válido como uma investigação sobre colecções de cromos da bola para
evidenciar o carácter risível do mundo. Lyotard escolhe muito bem a
palavra paródia, evitando a referência directa à comédia. Esta deve ser sempre
pensada na sua relação ancestral com a tragédia. A segunda, no dizer de
Aristóteles, trata dos homens superiores, enquanto a primeira trata dos homens
comuns ou inferiores.
Ora a paródia pós-moderna trata da ausência dos
próprios homens, superiores ou inferiores, do mundo da vida. Ela assinala o
lugar onde o homem se ausentou de si mesmo, dissolveu-se, reduziu-se a uma
condição onde inferior e superior apenas fazem sentido entendidos num contexto
zoológico. No entanto, não se deve interpretar o zoológico como
referência a uma ciência, ainda que taxionómica, como a Zoologia. Deve ser
ligado àquilo que entendemos quando escutamos a expressão "jardim
zoológico". Ali os animais são criados em cativeiro para exposição
pública. A pós-modernidade refere-se ao momento em que o mundo da vida se
resume a um jardim zoológico, onde diferentes espécies de macacos se exibem
perante outros macacos. A paródia é o contexto da risibilidade do animal humano
reduzido ao horizonte dos seus apetites naturais. Um deles é exibir-se
paroxisticamente perante o próximo. A característica essencial, porém, da
paródia é o seu carácter de reinterpretação de um original. Agora os animais
humanos parodiam o homem que um dia foram. (averomundo, 2009/08/15)
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