A minha crónica quinzenal no Jornal Torrejano.
O Papa Francisco tem simbolizado, através da virtude da misericórdia e
da ideia de Igreja como hospital de campanha, o desejo de muitos cristãos e não
cristãos de uma mais acentuada preocupação social e de uma abertura da Igreja às
novas realidades morais. Se este programa papal tem atraído a simpatia de muita
gente, a verdade é que está a gerar fortes reacções, embora semi-ocultas,
daqueles católicos – socialmente, poderosos e activos – que não comungam destas
preocupações sociais e, ao mesmo tempo, exigem uma moral pouco dada a acolher
homossexuais e divorciados na comunhão crística.
Essa oposição ao Papa irá, por certo, crescer. A realidade social e
política é-lhe adversa. Por outro lado, a onda de simpatia que gera não se
traduz em conversões e numa resposta efectiva à perda contínua de influência do
catolicismo. Francisco corre o grande risco de se tornar uma figura como a do
Dalai Lama. A generalidade das pessoas respeita-o e admira-o, mas isso em nada
contribui para alterar a posição da China perante o Tibete. As pessoas gostarão
de ver e ouvir Francisco, mas não se sentirão movidas a mudar de vida, isto é,
a converter-se. O que não deixará de ser aproveitado por quem se lhe opõe. A
realidade factual impõe duros limites às pretensões dos homens, mesmo às de um
Papa.
Estranhamente, contudo, existe a sensação de que muita gente sente o
vazio da nossa época e anseia por uma experiência espiritual profunda e
significante. E aqui reside, parece-me, os limites que Francisco, enquanto
homem, traz consigo. Centrou o seu discurso e a sua acção em questões sociais e
morais. Está a despertar um conflito em torno delas com os sectores mais
conservadores da Igreja, acabando por encerrar-se em assuntos que, tendo uma
enorme importância, não são decisivos para as pessoas que vivem num mundo vazio
e em perda de sentido. Pessoas que anseiam encontrar uma significação
espiritual para a sua estadia sobre a Terra, significação que não se resuma aos
imperativos da moral ou às preocupações sociais.
Deste ponto de vista, a acção do Papa, apesar da sua bondade e da
enorme admiração que suscita, pouco diz aos que andam perdidos e se sentem
órfãos de uma verdadeira espiritualidade. Alguém dizia que Cristo não veio à
terra para fazer cristãos (aqueles que adoptam o cristianismo como ideologia
moral e social), mas para ser modelo de outros que, como Ele, possam fazer a
experiência da sua autêntica natureza espiritual. Deste ponto de vista, a acção
de Francisco acaba, pela sua natureza meramente moral e social, por ser um,
mais um, sinal da doença que atinge a cultura ocidental: a perda dos seus
fundamentos espirituais.
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