quinta-feira, 19 de março de 2015

As multiplicações da senhora ministra

Philip Guston - Autumn (1950)

A senhora ministra das Finanças, durante uma sessão da JSD, terá dito, certamente com o ânimo expedito que a caracteriza, "vocês que são jovens multipliquem-se". Eu sei que uma reunião da JSD não é o melhor sítio para apresentar uma reflexão minimamente articulada. Também parece claro que Maria Luís Albuquerque não estará vocacionada para reflectir, ainda por cima sobre aquilo que a demografia simboliza. Na verdade, a pobreza simbólica de quem, hoje em dia, se dedica à política é tal que é inútil esperar alguma coisa de interessante dessa gente. Há duas coisas apenas que sabem fazer: atirar dinheiro, se ele existir, sobre um problema e dizer umas banalidades sem nexo, como foi o caso.

Se eu fosse político que pergunta colocaria a mim mesmo sobre o problema da natalidade? A questão seria a seguinte: que mensagem os cidadãos me estão a enviar quando desistem de se multiplicar, para usar a expressão da senhora ministra? A decisão de ter ou não filhos é do foro privado, mas quando essa decisão afecta a saúde ou mesmo a continuidade existencial da pólis, ela é, na verdade, uma mensagem política que a comunidade, através de uma espécie de inconsciente colectivo, envia para aqueles que a governam ou pretendem vir a governá-la. A superficialidade com que os agentes políticos olham para a vida reduz o problema da natalidade aos gastos com a saúde de um população envelhecida e à vexata quaestio da sustentabilidade do sistema de reformas. É desta superficialidade que nasce a injunção ministerial multipliquem-se.

A mensagem da comunidade é, todavia, muito mais profunda e toca no centro vital da própria realidade comunitária. Os portugueses estão, através da demografia, a fazer um hara-kiri político. Estão a dizer que não vale a pena que Portugal persista e se mantenha como nação, não vale a pena renovar as gerações e fazer com que esse velho sujeito colectivo que somos continue a existir. A pulsão de morte sobrepõe-se ao instinto de vida, como se esta tivesse deixado de valer a pena. Uma comunidade, em plena posse dos seus recursos intelectuais, está, através das deliberações singulares, a optar pelo seu desaparecimento. Se eu fosse político, e tendo isto em consideração, perguntar-me-ia, depois, por que motivo a minha comunidade quer desaparecer. Interrogar-me-ia sobre a responsabilidade que os dirigentes da comunidade têm na emergência desta decisão de um lento suicídio comunitário. A demografia é o principal problema político de Portugal, muito mais importante do que o económico ou o social. Os portugueses estão a dizer, de forma ostensiva, que o melhor mesmo é que Portugal acabe. Querem mensagem mais política do que esta?

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