Mais que as questões de emancipação social e de igualdade da mulher,
embora de primeiríssima importância, é a série repugnante de homicídios e o
infinito calvário da violência sofrida pelas mulheres que me levam a escrever
sobre a questão masculina. Os homens
– melhor, alguns, talvez muitos, homens – estão a viver um pesadelo pela
contínua alteração dos quadros mentais e das representações sociais acerca dos
papéis da mulher e do homem. O facto de ser um pesadelo não significa que seja
uma legitimação dos actos de violência ou sequer uma justificação. Pesadelo
significa que estão a viver uma situação que não se enquadra nas suas
concepções de normalidade.
A definição tradicional de homem como animal racional ainda nos será
útil para pensar este problema, desde que lhe adicionemos um outro predicado, o
da natureza histórico-social do homem. Que tem isto a ver com a violência sobre
as mulheres? Muito, pois a dominação do homem sobre a mulher pode ter raiz na
animalidade da nossa espécie. Mais forte fisicamente, o macho fez da sua
preponderância física o princípio de dominação e de transformação da mulher em
propriedade. Tudo isto dentro de relações sociais que o decurso da história
naturalizou e transformou em tradições. São estas tradições que obsidiam ainda
hoje a consciência de muitos homens e, perante a frustração do seu desejo, os
conduzem à desesperada tentativa de, pela violência, repor a relação de
animalidade, onde a mulher é propriedade do homem.
Os seres humanos, porém, são também seres dotados de razão. Ora a razão,
contra a força animal e as tradições históricas de dominação, diz-nos duas
coisas essenciais. Em primeiro lugar, todos os seres racionais são iguais. Em
segundo lugar, como corolário, nenhum ser racional é propriedade de outro. E
aqui está toda a questão masculina.
Os homens não são donos das mulheres, mesmo que estejam casados com elas. Não
têm nenhum direito de propriedade sobre elas nem sobre o seu desejo erótico. Terão
de aprender a viver com a possibilidade de serem rejeitados. O homem que,
perante a rejeição, violenta uma mulher não é mais homem por isso. É menos. Anula
a sua racionalidade e transforma-se num animal humano, mas não num animal
racional. Como professor, há muito que descobri que é difícil educar os seres
humanos para a razão, talvez mais os rapazes que as raparigas, mas não há outro
caminho. Os homens – os machos da espécie – terão de aprender, com a ajuda da
lei, a submissão aos mandamentos da razão. Pesadelo ou não, esta é a questão, a questão masculina.
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