domingo, 15 de março de 2015

Horror Vacui

Salvador Dali - El eco del vacio (1935)

Com a doutrina de Newton, estabeleceu-se, para toda a Europa esclarecida, a nova representação do espaço. Astros, massas de matéria, movimentam-se - ao equilibrarem-se as forças de atracção e de retracção - segundo leis de gravitação num espaço infinito e vazio.

Os homens podem agora representar-se um espaço vazio, o que antes não podiam, mesmo que alguns filósofos tenham falado do "vazio". Antes, os homens tinham medo do vazio; tinham o chamado horror vacui. Agora, esquecem o seu medo e, finalmente, já não acham nada de mais em eles e o seu mundo existirem no vazio. Os escritores do iluminismo do século XVIII, e Voltaire à sua cabeça, sentiam-se até muito orgulhosos em relação a uma tal representação, passível de ser cientificamente provada, de um mundo num espaço infinito e vazio. Mas tenta representar-te efectivamente, por uma vez, um espaço efectivamente vazio! Não apenas um espaço vazio de ar, mas completamente vazio também da matéria mais fina e subtil! Tenta na tua representação, por uma vez, diferenciar efectivamente espaço e matéria, separá-los um do outro e pensar um sem o outro! Poderás então pensar o nada absoluto. Sobre aquele horror vacui riram-se muito os iluministas. Mas ele era talvez apenas o compreensível tremor diante do nada e do vazio da morte, diante de uma representação niilista e diante do niilismo em geral. [Carl Schmitt (2008). Terra e Mar - breve reflexão sobre a história universal. Lisboa: Esfera do Caos Editores, pp. 66-67]

Este belo livro, do controverso Carl Schmitt, merece ser lido. Uma breve mas funda reflexão sobre a História Universal, a partir da consideração dos elementos terra e mar, uma reflexão sobre a revolução espacial que subjaz à transição de uma geopolítica terrestre para uma geopolítica marítima. O que me interessa agora é, todavia, apenas um pormenor. Esse pormenor é o horror vacui, o horror do vazio. Até determinada altura da história da humanidade existia uma experiência fundamental, a do horror ao vazio. A partir, porém, de certo momento histórico esse horror desapareceu. O momento histórico é o do nascimento da Física moderna e a concomitante alteração da concepção de espaço. De Copérnico a Newton, passando por Bruno, Kepler e Galileu, a antiga representação do espaço, herdada de Ptolomeu e de Aristóteles, foi pulverizada. É esta nova representação que vai racionalizar a relação do homem com o vazio e, ao racionalizá-la, dissolver o horror que o homem sentia perante a possibilidade de vazio. Ora essa experiência de ausência de horror perante o vazio foi-se ampliando. Aquilo que é, primeiramente, um dado físico e cosmológico é transferido para outras instâncias, nomeadamente para a esfera da vida social e das valorações éticas e até políticas. O vazio do universo funda, deste modo, o vazio ético e o vazio das crenças políticas e sociais. Dito de outra maneira, a revolução científica que está na origem da modernidade ocidental é o alicerce do niilismo europeu, ao racionalizar a relação do homem com o vazio. Este é o principal problema que enfrenta, desde há séculos, a humanidade europeia, e por força da extensão da sua influência a todo o globo, a humanidade em geral. (averomundo, 2009/08/29)

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