Luis Gordillo - Doble autorretrato de mi padre (1992)
Esta é a História de uma unidade
construída pelo poder político através dos séculos. Por isso, a narrativa teria
de ser estribada pela História política, o que não significa que tivesse de ser
uma simples crónica de actos dos titulares da soberania - tentámos que não
fosse. O grande problema deste género de História é pressupor, como agente, uma
entidade que é o produto e não a causa: a nação, a identidade nacional. Em
Portugal, com as suas velhas fronteiras na Europa e a sua actual uniformidade
linguística e antiga unanimidade religiosa, é fácil presumir a existência de
uma comunhão precoce e imaginá-la como a manifestação de uma vontade e uma
maneira de ser homogéneas e preexistentes à História. [Rui
Ramos, Bernardo Vasconcelos e Sousa, Nuno Gonçalo Monteiro (2009). História de Portugal. Lisboa: A Esfera
dos Livros, pp. III-IV]
O que a citação nos mostra é que Portugal não é o resultado de uma
comunidade com identidade própria que se organiza enquanto Estado, mas o
contrário. A nação e a identidade nacional são o produto de uma acção
persistente das elites políticas. São elas que inventaram uma nacionalidade
para poderem ter um Estado. Em momento algum nos deveríamos esquecer deste
facto. Ele é o fundamento das ínvias relações que dizemos existir
entre os portugueses e o Estado. Não foram os portugueses que produziram as
instituições políticas, foram estas que produziram os portugueses. Daí, o
carácter paternal com que o poder sempre olha os cidadãos, e a natureza filial,
uma vezes temerosa e outras irresponsável, como os cidadão se comportam perante
o seu criador.
Esta é a questão essencial do nosso carácter. Não é a inveja nem o
saudosismo. O traço essencial dos portugueses é a menoridade perante um pai omnipresente,
um pai que é visto como origem de todos os bens e, acima de tudo, do bem
principal, a existência. Eis por que não há em Portugal correntes
verdadeiramente liberais, exceptuando uns pândegos semi-distraídos ou semi-analfabetos.
O drama do presente, aquele que é representado pelos partidos e pelo
Presidente, nasce aqui. Do PS ao CDS, passando pelo PSD e por Cavaco, todos
acham necessário diminuir o Estado, pintar a vida política e económica de tons
mais liberais, todos desejam mais iniciativa e gente mais empreendedora. O
problema, que o analfabetismo generalizado das elites políticas não lhes
permite compreender, é que essa não é a nossa tradição. O Estado ao criar os
portugueses não os criou para serem livres do Estado, mas para estarem
submetidos a ele. Para tal, educou-os sistematicamente na e para a dependência.
Como é que um povo criado durante quase 900 anos para ser dependente, haveria
de se tornar, de um momento para o outro, num conjunto feroz de empreendedores?
Contra-argumentarão, e as descobertas não mostram a nossa capacidade
empreendedora? Não, mostram a visão política e a capacidade de acção da elite política
da altura.
Se as elites políticas querem um povo liberal e pleno de iniciativa,
então terão de o criar de forma persistente e sem concessões, coisa que não
está no espírito do tempo, nem é apanágio da lógica de quem ocupa o poder
político. O drama a que assistimos nasce aqui, mas na verdade não é um drama,
mas uma comédia de enganos. Só um pai severo poderia educar os filhos na feroz
disciplina da liberdade, mas o pai não quer já ser severo – julga-se liberal –
e deseja, a cada segundo, que os filhos façam aquilo que ele quer. (averomundo, 2010/01/04)
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