William Blake - Behemoth and Leviathan
O lamento tradicional de que o
marxismo carece de toda a reflexão política autónoma, tende a impressionar-nos
como sendo uma força, e não uma fraqueza. Pois o marxismo não é uma filosofia
política; embora exista, sem dúvida, uma prática marxista da política, o
pensamento político marxista, quando não é prático, tem exclusivamente a ver
com a organização da sociedade e com o modo de as pessoas cooperarem na
organização da produção. A crença neoliberal de que, no capitalismo, só o
mercado interessa é, portanto, um parente próximo da concepção marxista de que,
para o socialismo, o que importa é a planificação: nenhum deles tem tempo para disquisições políticas
legítimas. Temos muito em comum com os neoliberais, na realidade, virtualmente
tudo - excepto o essencial! [Frederic Jameson, Postmodernism: Or, the Cultural
Logic of Late Capitalism]
Para lá do carácter provocador ou chocante da afirmação de Jameson,
há uma coisa que permanece um facto: tanto o liberalismo como o marxismo visam
a destruição do político. Aquilo que marca a modernidade e a própria
pós-modernidade é a aversão à dimensão política da existência humana e a
proposição, explicitamente ou não, de utopias onde o Estado é dissolvido. Não
esqueçamos o seguinte: toda a violência que o Estado exerceu, no chamado
socialismo real, tinha por fim atingir a sociedade sem classes, onde o Estado
desapareceria. Também a retórica liberal do Estado mínimo almeja a desarticulação do
Estado e sonha com um paraíso onde só existam consumidores e relações contratuais
livres entre consumidores. Liberais, socialistas e comunistas, de formas
diferentes, todos eles visam a anarquia, a supressão de uma ordem onde as
comunidades se organizam segundo estruturas políticas.
Contrariamente, porém, ao que pensa Jameson, aquilo que separa os
neoliberais dos marxistas não é o essencial, mas o acessório, a organização da
produção e da distribuição de bens. No essencial, estão unidos, pois a essência
do homem é impensável sem a dimensão política. Esta não é uma excrescência,
mas a condição de possibilidade da existência e persistência do
humano. O que descobrimos assim é um longo projecto de desarticulação do
homem, um projecto emergente na modernidade (talvez a visão mecanicista do
homem que vai de Descartes a de La Mettrie seja um símbolo
percursor), mas que a pós-modernidade vem deliberadamente acentuar. Mais
interessante do que o debate sobre a ruptura entre moderno e pós-moderno,
debate centrado, por exemplo, na diferenciação e autonomia das esferas
(religião, política, arte, ciência) inerente à modernidade e na actual des-diferenciação
e hibridação pós-moderna, é a reflexão sobre o pós-moderno como momento de intensificação paroxística de
tendências dissolventes libertadas com a modernidade. Tendências essas que têm
dois pólos particularmente significativos no marxismo e no liberalismo, independentemente das múltiplas formas que ambos vão
tomando. Trata-se sempre de abater o velho leviatã, essa terrível e monstruosa
metáfora usada por Thomas Hobbes para designar o Estado. (averomundo, 2009/08/19)
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