Piet Mondrian - Composition in Blue, Grey and Pink (1913)
Talvez a primeira grande tematização filosófica da esperança surja no Fédon, de Platão. Nesta obra, Sócrates,
no dia em que vai ser executado, dedica-se a uma argumentação cerrada para
justificar a crença na imortalidade da alma e, dessa forma, a vida do filósofo,
uma vida de ascese e de desprendimento contínuo das coisas do corpo. Toda esta
argumentação é guiada pela bela esperança
de que, após a morte, os bons recebam uma justa recompensa, no convívio com os
deuses e com outros homens bons, e os maus sofram o castigo que a sua vida na
terra acabou por exigir e justificar.
Se se ler a obra de forma pouco atenta, confirmamos o texto de Platão
como o fundamento originário de uma filosofia da esperança. Mas será verdade?
Há dois pormenores que fazem vacilar e desconfiar de Platão: não seria ele um
génio brincalhão? Durante todo o diálogo, onde a personagem Sócrates se esforça
para fundamentar racionalmente a crença na imortalidade da alma, esse mesmo
Sócrates, em diversos momentos, vai relativizando a sua própria argumentação,
colocando-a no condicional, impondo-lhe um império de ses. Mas não é apenas o condicional que merece ser sublinhado. Há
um pormenor irónico no texto. Logo no início, Platão escreve que o trabalho do
filósofo é argumentar, enquanto o do poeta é fazer ficções. Conhece-se o
destino dos poetas na República, de
Platão: a expulsão da cidade, visto não se preocuparem com a verdade. Ora,
quando no final do Fédon, Platão quer
dar corpo à bela esperança escreve
como um poeta e não como um filósofo que argumenta. Isto é, faz uma ficção, o
chamado mito do Fédon.
Há várias explicações sobre o papel dos mitos no pensamento de Platão.
Prefiro, contudo, ver aqui uma suprema ironia. No momento em que lança o
fundamento de todas as filosofias optimistas e do próprio princípio de
esperança, o filósofo ateniense semeia também, através da ironia, um aviso
sobre essa mesma esperança: no fundo, não passaria de uma ficção, e de uma
ficção fundada numa falsificação da realidade. A esperança, quase nos diz ele –
esse Platão poeta trágico que a influência de Sócrates matou –, aquece e alegra
o coração dos homens bons, mas, em última análise, aquele que a propaga deve
pura e simplesmente ser expulso da cidade. Talvez o optimismo racional do
platonismo não seja mais do que o disfarce do pessimismo trágico que o
habitaria. (averomundo, 2008/11/08)
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