A minha crónica quinzenal no Jornal Torrejano.
Entrámos em período de completo delírio. Faz parte da nossa tradição
política em tempo pré-eleitoral. O fogo de artifício e os jogos florais a que
as várias partes se entregam tendem a escamotear a dura realidade em que se vive.
Temos o problema do défice que, com o actual governo e apesar de uma política drástica
de cortes salariais e de aumento de impostos, cresceu cerca de 35% em relação àquele
que Sócrates deixou. Há mais vida para além do défice, dir-se-á. O problema é
que essa vida não é muito risonha.
Em primeiro lugar, a questão da baixa natalidade, com a inversão da
pirâmide demográfica, conduzir-nos-á a uma crise séria nos sistemas de pensões
e de solidariedade intergeracional. À crise da natalidade há que juntar, nos
últimos anos, o retorno em força da emigração, agora de uma emigração bem
qualificada, na formação da qual o país investiu muito, e da qual não obterá um
retorno sólido.
De um ponto de vista imaterial, existe um problema estrutural que diz
respeito à inexistência de uma cultura de iniciativa e de gestão de riscos. Num
mundo globalizado e de intensa concorrência, os portugueses possuem uma cultura
onde a iniciativa e a responsabilidade são sempre dos outros. É um problema que
não se resolve, obviamente, com a actual retórica, servida por inúmeros cursos,
sobre o empreendedorismo. A ausência de capacidade empreendedora (para usar a
horrível palavra em voga) é apenas um caso particular do problema geral de
ausência de iniciativa, de um povo que foi e é – não nos esqueçamos –
sistematicamente educado para obedecer e fazer poucas ondas. Ora não há coisa
que faça mais ondas do que ter iniciativa.
Por fim, o drama de um desemprego estrutural que não deriva só da
intervenção da troika, mas que se
deve ao atraso do país em relação a uma economia que tem no seu núcleo central,
mesmo em actividades tradicionais, a digitalização. Muitos dos dramas que se
abatem sobre muitas centenas de milhares de pessoas devem-se a uma desadequação
das empresas, dos empresários e dos trabalhadores às novas formas de
racionalização trazidas pela revolução das tecnologias da informação e da
comunicação.
Demografia negativa, cultura social ineficaz e desadequação
tecnológica, mais do que o défice público, são os problemas que precisam de ser
compreendidos, pensados e enfrentados. Seria interessante ouvir o que os
partidos políticos têm a dizer sobre eles, tendo em conta as circunstâncias em
que nos encontramos e os limites a que nos submetemos. Todos sabemos, porém,
que em vez disso vamos ter direito a fogo de artifício e a jogos florais. O
habitual.
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