terça-feira, 25 de agosto de 2015

Causar poucos danos

William Blake - Job´s evil dreams

E graças sejam dadas a Deus, Johnny - disse o Sr. Dedalus -, por termos vivido tanto e causado tão poucos danos. (James Joyce, Retrato do Artista Quando Jovem)

Esta frase de Joyce, há quarenta, trinta, vinte ou mesmo há dez anos, talvez não me  dissesse nada. Pelo menos não a retive. Agora, que a idade se acumulou perigosamente em cima de mim, faz todo o sentido. Não tanto pela ideia de ter vivido muito, mas por causa do mal. Quando se é novo, pretende-se distribuir o bem pelo universo. Uns pensam fazê-lo de forma mais abstracta, através da acção política, por exemplo; outros, de forma mais concreta através de práticas de solidariedade. Quando se chega a certa idade, o que se deseja, e não é por medo de uma condenação eterna, é ter feito pouco mal, ter causado poucos danos. E este desejo não é de fácil concretização, pois estar vivo traz sempre consigo um agir sobre os outros, e neste agir há, muitas vezes, um dano efectuado, um mal praticado. Quantas vezes irreflectidamente, quantas vezes irreversivelmente. Por isso, se percebe bem a acção de graças do pai de Stephen Dedalus por ter causado tão pouco dano. Mas terá ele causado assim tão pouco? O melhor será ler o romance de Joyce.

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