Agnes Martin - Sem título n.º 11 (1977)
Os Japoneses não devem a sua admirável capacidade para preservar a tranquilidade interior nem ao serem naturalmente "pele-dura", nem a um qualquer carácter fleumático, nem mesmo a uma natureza originariamente harmoniosa. Devem-no a um treino espiritual. (Karlfried Dürckheim, The Japanese Cult of Tranquillity)
Não há, na cultura ocidental, período do ano mais equívoco do que as férias. A sua equivocidade nasce de elas não serem uma coisa qualitativamente diferente do tempo de trabalho. É verdade que as pessoas, em férias, suspendem as suas actividades laborais, as suas preocupações com a evolução das empresas e instituições onde exercem as suas funções. O que acontece, porém, é que transferem a intranquilidade da vida profissional para as horas de lazer. Enquanto nos meses de actividade profissional estão mobilizadas para produzir bens e serviços, nas férias estão mobilizadas para consumir: os sítios onde têm de ir, as coisas que têm de ver, as múltiplas experiências que têm de fazer, o descanso que têm de ter. Apesar de estarem de férias, continuam mobilizadas, tomadas pelo frenesim que essa mobilização implica.
Não utilizei o conceito de mobilização por acaso. Ele é um conceito central nas sociedades modernas. Como os soldados em tempos de guerra, também as pessoas devem estar mobilizadas e prontas para o combate. Toda a vida é vivida como uma guerra pela sobrevivência. É este estado de guerra generalizado que não apenas exige a mobilização como torna as pessoas incapazes de tranquilidade. Se há alguma coisa que podemos aprender, segundo Karlfried Dürckheim, com os japoneses não será certamente fugir da vida de mobilização em que nos encontramos mergulhados. Sem ela, o nosso mundo, para o pior e para o melhor, ruiria de imediato. O que podemos aprender é que a tranquilidade poderá nascer de uma atitude deliberada, de um treino sistemático que nos permitirá viver de uma outra forma na seio da mobilização geral. Para além das férias, e também por causa delas, os ocidentais necessitam, para poderem sobreviver, desse treino, dessa disciplina de abandono de si mesmos que, só ela, permitirá, no mundo em convulsão, chegar à tranquilidade.
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