Jules Lachelier
No início do "Avant-Propos" da sua obra Héritage des
Mots, Héritage d'Idées, Léon Brunschvicg escreve: "Conta-se que o grande
filósofo, Jules Lachelier, nomeado para o Liceu de Toulouse, começou as suas
aulas perguntando: o que é a Filosofia?, e acrescentou imediatamente: não sei.
O que provou o divertimento de toda a cidade de Toulouse; o professor de
Filosofia que lhe tinham enviado de Paris não sabia o que era a
Filosofia." Brunschvicg não data o episódio, mas ele terá ocorrido,
certamente, entre 1857 e 1864, anos que marcam a época em que Lachelier ensina
em diversos liceus franceses, antes de ensinar na École normale supérieur, uma das instituições universitários mais distintas de França. Portanto, em pleno século XIX.
O que é interessante nesta história não é tanto o aspecto filosófico
dela. A Filosofia é essa estranha sabedoria feita do reconhecimento do não
saber e, em primeiro lugar, do não saber o que é a própria Filosofia. Aqui não
haverá qualquer novidade para quem esteja minimamente ligado ao mundo da
Filosofia. Interessante é o aspecto social. Em pleno século XIX, as palavras de
um professor de Liceu, ditas perante adolescentes, eram objecto de comentário
pelos "círculos que interessavam", numa grande cidade francesa.
Todos se congratularão, hoje em dia, com a democratização (se é que
ele existe de facto) do ensino liceal. Essa democratização, porém, trouxe como
consequência que nenhuma palavra de um professor liceal será memorável. Todas
as palavras que os professores liceais (do secundário, na nossa estúpida e
inútil designação) proferem em todas os liceus (escolas secundárias, na abjecta
designação que o poder político democrático escolheu para os liceus) deste país
serão apenas banalidades que se perdem mal termine a aula. Lachelier fez rir os
círculos bem-pensantes de Toulouse, mas fez ao mesmo tempo pensar os seus
alunos. Eles sentiram-se chocados e reportaram aos seus pais esse mesmo choque.
Que palavra poderei proferir numa aula de Filosofia que choque os meus alunos?
Isto é, que os faça pensar? E Lachelier não disse mais do que dizem muitos dos
professores de Filosofia por esse país fora.
Talvez, sob a capa deste história anedótica, se esconda uma verdade
sobre a democratização do ensino. Na verdade, não houve qualquer tipo de
democratização. O ensino liceal (não esqueçamos que cá se designa pelo
humilhante nome de ensino secundário) a que se tem direito é apenas uma ténue
sombra daquele que as elites tinham no século XIX e em parte do século XX. A democratização
do ensino liceal talvez não tenha passado de uma gigantesca manobra de
falsificação da realidade. Sendo assim, é muito provável que o nome de ensino
secundário seja de facto o mais exacto, devido à mixórdia que o poder político
serve nessas escolas a que, em Portugal e sem pudor, se deu o nome de escolas
secundárias. Sim, um ensino de segunda ordem. (averomundo, 2009/01/10)
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