Paul Gauguin - La familia Schuffenecker (1889)
Uma das marcas dos países do sul é o seu funcionamento em família e a
importância que esta tem para os indivíduos. São as famílias propriamente
ditas, mesmo se disfuncionais, são as famílias políticas, as famílias
desportivas, são os grupos de amigos que rapidamente se transformam em
famílias. Uma família é uma aliança. Não há maior valor moral do que a preocupação
com a família. Por que razão não deveríamos festejar a bondade dos vínculos
familiares e o amor abrasador que deles brota?
Este amor tão ardente gerado no seio dos diversos tipos de família,
porém, extravasa as suas fronteiras e invade o espaço cívico reservado aos
indivíduos e à concorrência entre eles. Nas sociedades frias, onde o amor
familiar é menos escaldante, as instituições esforçam-se por seleccionar as
pessoas pelo mérito, aferido segundo um padrão racionalmente determinado.
Escolhem os melhores, independentemente da família a que pertencem. Se, por uma
irreflexão, alguém se lembra de evidenciar, numa instituição pública, um excessivo amor familiar, a
palavra nepotismo soa logo em tom acusador, e as autoridades não sentem
particular zelo por quem tanto ama os seus.
Nós por cá, europeus do sul, somos pessoas de amor profundo e
não há gente melhor e mais capaz que os nossos, os da nossa família, seja
biológica, seja política, seja a construída em torno de um interesse qualquer.
No lugar do mérito, nós colocamos o amor. Será repreensível que alguém, para um
cargo importante, escolha outro por amor? Não é este o mais enternecedor dos
sentimentos? As nossas instituições públicas, até privadas, são teias onde o
amor transborda, onde as famílias nunca estão em crise.
O pater familias – numa
linguagem mais cristã e de matiz levemente siciliano, o padrinho – recebe o
amor zeloso da família, enquanto vai cuidando dela, com bonomia e ternura. Isto
tem um efeito. As instituições, como não seleccionam segundo o frio critério do mérito mas
por amor, tornam-se lânguidas, e uma leve sensualidade amorosa coloniza a vida
pública e privada. O amor de certas famílias é tão intenso que a tudo toca, a tudo
ocupa, a tudo, o que não seja esse amor, consome.
Os frios nórdicos, fanatizados pela ideia de mérito, dizem que as
nossas instituições são pouco competitivas, alguns sugerem que são de uma
incompetência inaudita. Mas é gente que tem o coração seco e frio. Seremos
pobres, seremos incompetentes, mas ninguém nos pode acusar de falta de amor e de
não colocar, seja onde for, instituição pública ou privada, o sagrado vínculo familiar à frente de tudo, à frente mesmo da estapafúrdia ideia de que o mérito deve ser a base da selecção. (Jornal Torrejano,
2011/09/23)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.