Giacomo Balla - Abstract Speed - The Car has Passed (1913)
Pergunto-me por que motivo e apesar de tudo não posso deixar de ser
cristão. Encontro nas últimas palavras de Mircea Eliade, em O Mito do Eterno Retorno, a resposta:
«Neste aspecto, o cristianismo revela-se incontestavelmente a religião do homem
“desiludido”: e isto na medida em que o homem moderno está irremediavelmente
integrado na história e no progresso e em que a história e o progresso
constituem uma queda que implica, em ambos os casos, o abandono definitivo do
paraíso dos arquétipos e da repetição.”
Vivo na história e tenho consciência disso e vejo o progresso
empurrar-me sei lá para onde. Isso que me iludiu durante um instante na
juventude causa-me, agora, um enorme desprezo. Não há ninguém mais desprezível
do que os homens vitoriosos do progresso. Erguem aos céus, em sinal de triunfo,
as mãos fechadas, mas dentro delas não têm nada. Cada palavra que proferem,
cada acção que praticam, cada gesto que executam, apenas indicam uma coisa:
nada.
Ser um homem histórico comprometido com o progresso é o ideal de
qualquer autarca de província. Em nome dos ideais de cada autarca que habita
nos homens de progresso cresce, à nossa volta, um vazio cada vez mais ruidoso e
sombrio, que a tudo coloniza e a tudo destrói. É por esta desilusão que
encontro o cristianismo, mas mesmo aí já só avisto homens de progresso e
autarcas cheios de futuro. Trocaram o crucificado pelo homem da regisconta. (averomundo, 2008/09/09)
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