A observação persistente da vida democrática permitiu-me descobrir uma
coisa que, porventura, já terá ocorrido a muita gente. Em política não há
vitórias, mas apenas derrotas adiadas. Tarde ou cedo os vencedores de um dia
serão os derrotados do outro; e caso não o sejam em campanha eleitoral, serão
as suas ideias que, numa dada hora pareciam tão irrevogáveis, se perderão sob o
brilho de outras. A democracia – todos regimes políticos, em última análise – é
um produtor de derrotados. O talento de um político reside na sua capacidade de
adiar o momento em que a sua derrota, ou a das suas ideias, se torne manifesta.
O adiar da derrota decisiva é uma estratégia complexa que passa pela a
atenção a duas coisas. Em primeiro lugar, uma atenção ampla à realidade sobre a
qual se governa. Esta atenção deve ser exaustiva, diria mesmo obsessiva. O
governante é como o pastor que tem de dar conta de todas as ovelhas (o chamado
poder do pastorado, na conceptualidade de Foucault). Assim que começa a
desprezar a realidade, a derrota começa a desenhar-se. Em segundo lugar, uma
atenção, não menos profunda, a si mesmo. Não é apenas a negação da realidade
que é perigosa. Também a incapacidade de suster o narcisismo e a desmedida são
mortais para o político. Na verdade, toda a vida política é uma luta contra si
mesmo, uma negação dos seus impulsos mais fundos, aqueles mesmo que conduzem o
político para a acção política.
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