Nicolas Poussin - Outono (1664)
A minha crónica para o número de Novembro da revista A Barca.
O Outono tornou-se uma metáfora, talvez demasiado frágil, para os dias
que nos estão a ser dados a viver. Escrevo enquanto a cidade de Bruxelas está
em estado de alerta máximo e Paris tenta reerguer a cabeça, após os atentados
do 13 de Novembro. O Outono é um tempo de indecisão, no qual a força solar do
Estio cede, pouco a pouco, à queda da luz e se abre à noite invernosa. Ainda há
pouco anos a Europa era o lugar luminoso que, grande parte do mundo, gostaria
de copiar, o sítio no qual uma vida livre e despreocupada se aliava à
capacidade de gerar riqueza e distribuí-la. Isso acabou.
Hoje a Europa começa a ser o lugar onde, lentamente, o medo se
instala, onde as ruas se enchem de polícias e de militares, onde os cidadãos
olham para o lado desconfiados. A Europa e os seus valores tornaram-se o alvo a
abater. A monstruosidade sangrenta e delirante, o terrível dionisismo feito de
sangue, morte e alucinação erótica, trazem-nos um pesadelo para dentro de casa
e mostram-nos que os valores da civilidade não são dados adquiridos. Começamos
a perceber que podemos ser expulsos do pequeno paraíso que nasceu, após duas
guerras mundiais, do medo de nos matarmos de novo uns aos outros.
O carácter outonal dos nossos valores alia-se ao Outono da nossa
demografia. E isto é um convite para aqueles que odeiam a liberdade, a
igualdade entre homens e mulheres, que não suportam que cada um decida por si
mesmo o que há-de fazer com o dom da vida. É um convite à intrusão do inimigo.
Está a chegar o momento em que nós, europeus, teremos de decidir o que
queremos. Já não se trata de distribuição de riqueza, de acesso a lugares e a
reconhecimento. Trata-se, pura e simplesmente, de decidir se queremos continuar
a ser europeus. Trata-se de tomar a decisão se este tempo outonal se vai
transformar, ou não, no Inverno do nosso descontentamento.
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