Mario Sironi - Composizione futurista (1911)
Um aspecto pouco focado nos acontecimentos de Paris, da passada sexta-feira, prende-se com a sua relação com os processos de hiper-modernização pelos quais passa o mundo. Para além da querela entre modernos e pós-modernos, convém salientar que estamos a assistir, devido à revolução tecnológica em curso, à elevação ao paroxismo de algumas características centrais da modernidade. Hoje em dia, as sociedades ocidentais - e muitas outras - são marcadas por um hiper-individualismo, por uma mobilização de pessoas e matérias-primas ilimitada, por um ritmo de vida marcado pela velocidade da luz e, como consequência, a contínua destruição de todos os laços comunitários, desde a família às próprias comunidades políticas, religiosas e sociais.
Quando o subjectivismo moderno se tornou, a partir da Revolução Industrial, um individualismo feroz, a grande reacção dá-se na emergência dos movimentos socialistas, anarquistas e comunistas, todos eles marcados por uma estranha combinação entre a nostalgia das massas proletárias pela sociedade anterior, marcada pela ordem clara, segura e imutável onde estava atribuído a cada um o seu lugar, e um sobre-iluminismo dos intelectuais que viam na ascensão da burguesia um passo decisivo, mas a superar, no caminho de uma nova ordem onde todos voltassem a encontrar um lugar seguro. De certa maneira, a reacção à modernização, nesta fase (séculos XIX e XX), foi o resultado de um compromisso entre o mundo antigo de uma tradição vinda da Idade Média (a memória nostálgica das massas deserdadas devido à Lei dos Cercados) e uma elite Iluminista que não se revê na visão individualista e burguesa do Iluminismo.
O desenvolvimento dos processos de modernização (poderemos falar de hiper-modernização) acabou por mostrar os limites desta primeira reacção, o que ficou simbolizado pela Queda do Muro de Berlim. Aquilo que parecia, contudo, a libertação dos processos de modernização ilimitada (ou de hiper-modernização ilimitada) de todos os constrangimentos e obstáculos acabou por gerar um novo antagonismo, no qual, com excepção do uso da tecnologia, foi evacuada qualquer ligação ao Iluminismo e à modernidade. Esta nova reacção - que se manifesta nos fundamentalismos religiosos, entre os quais o islamismo radical é o mais activo e espectacular - não propugna já um compromisso entre as antigas formas de vida comunitária e a modernidade. Pelo contrário, ela pretende pura e simplesmente retornar a uma tradição comunitarista, de onde sejam banidos todos os valores resultantes da modernidade: individualismo, laicismo do Estado, autonomia moral dos indivíduos, liberdade de opinião, de crença religiosa, de perspectiva política, igualdade entre géneros, respeito pelas orientações sexuais diversas, etc.
Aquilo que parece desenhar-se, se olharmos a história do mundo a partir do Renascimento ou do início da Modernidade, é que o desenvolvimento dos processos de modernização são cada vez mais rápidos e intensos, e, nessa crescente rapidez e intensidade, destruidores das formas tradicionais de vida, mesmo que estas sejam muito recentes e geradas pela própria modernização. Esta dinâmica interior à modernização (esta revolução permanente que lhe está na base) gera aquilo que lhe resiste. E o que lhe resiste afasta-se cada vez mais dessa própria modernização. O radicalismo fundamentalista religioso, com a sua aspiração ao retorno a uma tradição pura, é a consequência dos actuais processos de hiper-modernização, como em tempos o anarquismo e o comunismo o foram em relação à modernização introduzida pela Revolução Industrial inglesa. Se assim for, poderemos esperar que a continuação da intensificação dos actuais processos hiper-modernizadores vá gerar formas de reacção ainda mais voltadas para o passado, formas ainda mais mostruosas, mas que têm de ser lidas como imagens especulares invertidas dos processos de modernização.
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