Porta Missé - Pensador (1981)
A derrota eleitoral da coligação PSD/CDS e o novo governo de António
Costa são uma oportunidade para a direita – nomeadamente, o PSD – se repensar e
se reposicionar no tabuleiro político. A direita, como quase todos nós, demorou
muitas dias até perceber que tinha perdido as eleições, pois as vitórias
eleitorais dependem do apoio maioritário no parlamento e não de qualquer outro
critério. Percebida a situação, a direita entrou numa fase que mistura o desejo
de vingança – ainda uma recusa da realidade – e o luto pelo poder perdido.
Os dias, porém, vão passar e darão lugar à pergunta fundamental para
essa direita: por que razão perdeu as eleições, apesar de ter a seu favor praticamente
toda a comunicação social e da manipulação sistemática que fez da realidade?
Esta pergunta, que nunca será feita publicamente, pode gerar dois tipos de
resposta. Uma resposta dirá que a direita não perdeu mas que o António Costa é
um malandro e que só espera um apocalipse qualquer para retornar ao poder. Esta
é a resposta que a esquerda mais gostaria que fosse dada.
Uma segunda resposta é aquela que obrigará a direita a olhar para
dentro e perceber em si mesma a causa da sua derrota. Olhar para estes quatro
anos e avaliar de forma fria e objectiva o que fez. E não me refiro ao que a
troika impôs. Refiro-me ao modo escolhido para seguir a troika e às opções
ideológicas escolhidas. Durante quatro anos, a direita entregou-se a um delírio
ideológico fanático, sem ter qualquer consideração para com a realidade do
país. Combinou uma espécie de vingança com a herança do pós-25 de Abril com a
ideia estulta que poderia abandonar uma política moderada e centrista e tornar
Portugal um paraíso liberal. O resultado foi extraordinário: além de perder 700
mil votos e a maioria de que dispunha, conseguiu esse feito inimaginável de
unir os três partidos de esquerda.
Quando a direita perceber que a causa do seu afastamento do poder não
está em António Costa nem na Constituição, nem em mil delírios ressentidos que
povoam as redes sociais, mas naquilo que fez, as coisas mudarão. Nessa hora,
ela pode desenhar um novo projecto político mais moderado, onde combine um incremento
do espírito liberal no país, sem atacar o Estado Social, fazendo deste não
apenas a almofada da liberalização mas um dos motores dessa mesma liberalização
(foi isso que a Alemanha fez depois da II Guerra Mundial e já tinha feito no século XIX). Então a direita estará pronta para voltar ao poder sem que isso
seja o prenúncio de uma catástrofe social, sem que isso signifique a destruição
das nossas frágeis classes médias e o descarado apoio aos mais poderosos, sem
que isso tenha que representar um pavor para parte substancial da população.
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