Francis Bacon - Crucifixion (1933)
O primeiro dever de um homem que acredita na necessidade e eficácia do verídico é a independência, quero dizer, o começo por si mesmo. (Herberto Helder, Photomaton & Vox, p. 159)
Um dia também cri nesta máxima de Herberto Helder. Acreditei que o meu dever era a independência, o começar por mim mesmo. Hoje olho com nostalgia esse tempo de pura ingenuidade, fruto do engodo lançado sobre os homens no início da modernidade. Começar por si foi a doença que Descartes e Locke disseminaram no mundo. Um com o seu cogito o outro com a lenda da tabula rasa. A patologia, nascida na filosofia, propagou-se pelas artes, que é lugar de onde Herberto Helder fala. Eu posso crer na necessidade e até na eficácia do verídico - mesmo na poesia - mas não consigo compreender como pode o verídico provir dessa mentira que é a independência e o começar por si. Por mim, mas talvez seja a minha limitação congénita, sinto-me há muito na encruzilhada, crucificado entre caminhos que não comecei, que não resultam da minha independência e que riem de mim se, por acaso, perpassa no meu espírito qualquer pretensão de autonomia. Entre o orgulhoso cogito, ponto de partida da afirmação do verídico, e o pobre pateta do D. Quixote, que sonha continuar as aventuras de cavalaria, sei muito bem que o meu lugar é ao lado deste último.
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