quinta-feira, 12 de novembro de 2015

A expulsão do lar

Gustav Klimt - Palácio sobre a água (1908)

- Será que Sua Senhoria tem alguma intenção religiosa? – inquiriu Diotima.
- De momento, descobriu apenas que na história da humanidade não há retrocessos voluntários. O que dificulta as coisas é não termos também nenhum progresso aproveitável. Convenhamos que é estranha esta situação em que não podemos avançar nem recuar, e ao mesmo tempo vamos dizendo que o presente é insustentável. (Robert Musil, O Homem Sem Qualidades,  vol. I, p. 370)

A história da humanidade – que não é outra coisa senão o trabalho do negativo, para relembrar Hegel – parece ser um sítio infrequentável. Não por uma questão de pudor moral, mas por aquilo que Robert Musil coloca na boca de Ulrich. Para o passado não há regresso voluntário. O futuro também não é o lugar onde nos conduza um progresso aproveitável e o presente, bem o presente é, como sempre, insustentável. Poder-se-ia fazer deste excerto de O Homem Sem Qualidade uma quantidade de leituras políticas. Limito-me a constatar, contudo, que o ardor romântico com a História pode ser uma doença ou coisa ainda pior. Nós já não nos lembramos, mas houve um tempo em que os homens não se viam como ser históricos. Olhavam para o tempo não como uma linearidade que avança ininterruptamente do passado para o futuro, mas como um ciclo de eterno retorno, uma imagem plasmada da ciclicidade das estações do ano. Nós já não podemos retroceder a esse tempo, pois a História apossou-se de nós e obriga-nos a viver nela. Obriga-nos a viver nesse sítio infrequentável, no qual, a cada momento, nos sentimos vítimas de um decreto que nos expulsa da própria casa. A História, essa terrível invenção romântica, é o lugar onde o homem perdeu o lar, onde foi expulso da sua própria casa.

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