Santi di Tito - Nicolau Maquiavel (século XVI)
Creio também que seja bem-sucedido aquele (príncipe) cujo modo de proceder condiz com a qualidade dos tempos e, de modo semelhante, que seja mal-sucedido aquele de cujo proceder os tempos discordam. (Nicolau Maquiavel, O Príncipe, cap. XXIV)
Terminou hoje uma parte dos trabalhos de António Costa. Como todo o político, o poder é o objectivo central, para não dizer único, da sua acção. A carreira do agora indicado primeiro-ministro é um caso notável de eficácia na luta pelo poder. O que é notável, no percurso efectuado, é a sua adequação aos tempos. Chegou a ministro ainda com Guterres. Foi também ministro com Sócrates, mas as eleições para a Câmara de Lisboa pouparam-no a um longo convívio governativo com um dos mais detestados primeiros-ministros de Portugal. Na Câmara de Lisboa construiu uma forte solução de poder que lhe valeu uma reeleição. A partir daí traçou um percurso, através dos mais inusitados meios, para alcançar o lugar onde agora chegou. Como um príncipe da Renascença, liquidou, de caminho, António José Seguro, encostou, através de resultados medíocres, Passos Coelho e Paulo Portas às boxes, infligiu a maior humilhação política a Cavaco Silva (ter de indigitar um primeiro-ministro que não só não é da sua área, como ainda por cima é apoiado pelo BE e pelo PCP), calou a recém-descoberta ala direita do PS e estendeu, disfarçado de abraço, um nó corredio à volta do pescoço do BE e do PCP. Até aqui, António Costa foi impetuoso e submeteu a fortuna e esta concedeu-lhe os seus favores.
Como nos ensinou Maquiavel, os trabalhos não acabam quando se alcança um principado. Há que mantê-lo. Para tal, e para além de saber cuidar dos aliados e ter bem consciente o conjunto de fantasmas sedentos de vingança que gerou pelo caminho, há duas coisas que António Costa, se não quiser ser um príncipe efémero, tem de ter em conta. Em primeiro lugar, estar muito atento aos tempos, ao que Hegel chamou Zeitgeist (o espírito do tempo). Esta atenção significa saber adaptar-se a cada novo tempo, ter a flexibilidade suficiente para não se pôr em desacordo com o tempo. E os tempos são muito instáveis, entregam-se a estranhas danças. Ao príncipe é exigido que seja bom dançarino. Em segundo lugar, dar atenção à Némesis, essa deusa encarregada de abater todo excesso, toda a desmesura, todo o orgulho do príncipe. Pior e mais perigoso do que haver muitos esqueletos nos armários é a falta de medida do governante. Talvez Costa tenha aprendido com a desmedida de Sócrates e de Passos Coelho, talvez. Os deuses concederam-lhe o poder, mas António Costa, se não quiser despertar a ira desses mesmos deuses, tem de perceber que é mortal; isto é, saber qual é a sua medida. Veremos se a sua ascendência bramânica lhe mostra os limites que são os seus.
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