Roberto Matta - Disasters of Mysticism (1942)
Por vezes retiro do acaso uma luz especial que me ilumina, que me
deixa ver a causa maior do desastre que eu sou. Poderia argumentar – e não me
faltariam excelentes e abundantes argumentos – que todos nós, desde os que vivem
uma vida no subterrâneo da existência até aos que ocupam o mais glorioso lugar,
seja no mundo ou nos altares, somos um desastre. Mas com o desastre dos outros
posso eu bem. Estava eu a meditar por que razão as tardes destes domingos de
outono soalheiros, cujo meio-dia é tão promissor, são tão propensas à
irrealidade da angústia e da melancolia quando, por um súbito impulso, abro o
blogue de Francisco Louçã, no Público,
e leio, para parecer um homem preocupado com os nossos sarilhos quotidianos, o post Tudo
depende da perspectiva. Não me interessa, para aqui, o conteúdo do texto. O
leitor, se interessado, é só clicar no link e ler.
Fiquei siderado quando li: tudo
se podia resumir assim: os factos são os factos, mas tudo depende sempre da
perspectiva. Não se pense que aquilo que me iluminou foi a combinação de um
realismo que crê na realidade dos factos e da humildade de um perspectivismo
que confessa a existência de infinitas perspectivas sobre essa realidade
factual. Não. O que me raptou da melancolia do crepúsculo dominical foi a
afirmação os factos são os factos.
Está aí a chave do meu desastre singular, do sem sentido de toda a minha
existência. Por muito que me esforce, falta-me este sentido de realidade que,
com uma humildade perspectivística, é confessado por Louçã.
No fundo de mim, reconheço-o e confesso-o contrito, nunca acreditei que os
factos são os factos. Dito de outra maneira, nunca houve em mim uma réstia de
realismo. Sempre pensei – ou, para ser mais exacto, há muito que o penso – que os
factos não passam de meras interpretações que unificam e sintetizam o
heteróclito da experiência, mas que, na verdade, não existe essa coisa última a
que todos nós, se movidos pelo sadio bom senso, chamamos factos. É evidente
para mim, nesta hora sombria que antecede a noite de domingo, que não acreditar
na existência de factos, não acreditar nessa coisa que é a realidade, não
poderia trazer-me nada de bom e que, por isso, a minha vida, por decreto dos
deuses da factualidade, não poderia ser outra coisa senão um grande desastre, o
qual só é poupado aos homens bons que acreditam na existência de factos. Fez-se noite.
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