quinta-feira, 3 de maio de 2012

Perdi a mão

Søren Kierkegaard

Falar para uma plateia de gente nova, no início da juventude, do compromisso radical proposto pelo filósofo dinamarquês e não ver uma luz a brilhar nos olhos de ninguém mostrou-me que estou francamente obsoleto. O cristianismo radical, a submissão absoluta à vontade de Deus, o desafio à ordem estabelecida e à moral burguesa, uma vida vivida no limite perante o Absoluto, nada disso interessa já. E o que me espanta não é tanto o cristianismo não interessar, mas a aventura que está pressuposta em Kierkegaard, a busca de um sentido para a vida que quebre a mera convencionalidade e as rotinas instaladas. Pertenci a uma geração de gente radical, de uma radicalidade mais pobre, pois de natureza política, que a de Kierkegaard, mas mesmo assim que procurava um sentido absoluto para a vida e para si mesmo naqueles verdes anos. Muitas vezes, durante estes anos que levo de ensino, consegui tocar em alguns, despertar-lhe a febre por algo mais importante do que os pequenos prazeres da vida quotidiana, para uma certa busca de grandeza. Hoje olho e nada se ilumina, apenas um tédio invade aqueles olhos que têm de suportar a minha presença. Deixei de saber falar sobre a grandeza da vida e o excesso que é vivê-la? Perdi a mão, definitivamente.

4 comentários:

  1. Sei bem do que falas, muitíssimo bem. Perdemos a mão, menino :)

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  2. Ana Rita Fernandes3 de maio de 2012 às 21:20

    Tenho pena que os jovens de hoje não saibam aproveitar as oportunidades que lhes são dadas para crescer. O Professor ensinou-me muito e despertou em mim uma vontade incessante de aprender. Se consegui atingir muitos dos meus objectivos académicos, devo-lhe muito a si. Um muito obrigada por ter sido o melhor Professor que já tive e não perca a motivação, decerto conseguirá iluminar muitos outros jovens.

    Ana Rita Fernandes
    Turma de 2006-2009

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    1. Muito obrigado Rita. Um dos problemas de Portugal, e não dos menores, é que a Rita era uma excepção. Havia mais (até a turma do 12.º ano de Filosofia era uma excepção), mas em vez de o número de excepções crescer parece diminuir. Mas não é só isso. É o desejo de aprender, esse desejo insaciável de saber sempre mais, é cada vez mais escasso. E não basta que o professor tenha vontade, é preciso que no aluno haja lá também uma vontade de saber, por pequena que seja. Sem isso, não há professor que ilumine ninguém.

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