sexta-feira, 6 de julho de 2012

Extinção

A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.

Extinção é o nome de um romance de Thomas Bernhard, um dos autores de que mais gosto. Confesso que, ao escolher o título para esta crónica, hesitei bastante entre Extinção e Perturbação, nome de outro romance do autor. Esta hesitação deve-se ao sentimento de estranheza pelo desenrolar dos acontecimentos em Portugal. Um sentimento de desagregação das instituições cresce todos os dias, apodera-se das pessoas, cai como uma sombra sobre a vida social e transforma em ruína tudo em que toca. O mal parece ter tomado conta do destino do país.

O escândalo da contratação dos enfermeiros – aliás semelhante ao escândalo dos professores pagos pelas câmaras para desenvolverem actividades de enriquecimento curricular e semelhante àquele que se prepara silenciosamente para os médicos – é apenas mais um sintoma da desagregação da moral social, de uma moral que permitia um pacto entre os portugueses e a consequente vida pacífica em sociedade. Aproveitando o memorando da troika, as elites dirigentes não hesitam um segundo em humilhar as pessoas, em desapossá-las de um mínimo de dignidade, em reduzi-las a puro lixo.

Ao mesmo tempo, assiste-se a uma terrível atracção, entre a classe política, pelas licenciaturas miraculosas, obtidas segundo critérios certamente legais, mas que aos olhos da opinião pública estão longe de merecer dignidade moral. Pode somar-se ainda o sintoma de abandono que parte substancial do país sente e, ao mesmo tempo, a desfaçatez e a impunidade de uma classe política venal que fala grosso com os fracos e os desapossados e se mostra subserviente com os lobos que devoram o rebanho. Isto causa perturbação.

Mas a perturbação é apenas sintoma de outra coisa, de uma doença que atinge o corpo social e que está a destruir as instituições democráticas. As metástases da corrupção, do compadrio, do favorecimento de alguns em detrimento do bem comum, da venalidade, da incompetência (veja-se como o primeiro-ministro e o ministro das finanças, esse incensado mago da economia, se enganaram nas previsões que fizeram), da mais pura irrelevância crescem rapidamente e tomam conta do país, corrompem moralmente os hábitos e os juízos do cidadão comum, abrem feridas dolorosas por todo lado.

São essas feridas que começam a gangrenar e que deitam um cheiro pestilento por toda a parte. O regime democrático está em estertor. Para destruir a democracia em Portugal, não é preciso recorrer aos extremistas. Basta entregar, como o fizemos, o país aos partidos do arco da governação. Eles encarregam-se, sem pestanejar, de o fazer. O mal cresce e tudo parece estar em extinção.

2 comentários:

  1. Por entre o estertor daquilo que se pensava ser democracia e nunca o foi a não ser mero simulacro, ouvem-se murmúrios de revolta, em toda a parte. Ainda hoje os algarvios consideraram Passos Coelho e o PR como persona non grata. Não há membro do governo que não seja vaiado vá onde for...o sofrimento aumenta, com ele a revolta, que já não se manifesta apenas em comentários...Não houve um século em que não houvesse uma revolta em Portugal. Há limites que não podem se rultrapassados, por muita paciência que estas gentes tenham.

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    1. Uma deterioração enorme da situação política. A agravar tudo isto, a desprezo com que Cavaco Silva é olhado pela população. O que nunca aconteceu com um PR até hoje.

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