sábado, 28 de julho de 2012

Questões de linguagem


A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.

Decididamente estou a ficar velho, demasiado velho e a configuração do mundo é cada vez mais estranha para mim. Isto é desusado, pois sempre estive aberto a novas visões do mundo, a inovadoras opções estéticas, a compreender a irrupção do não acontecido no curso normal das coisas. Talvez seja da minha educação, uma educação recebida ainda no tempo do salazarismo, com uma forte componente católica, talvez seja apenas uma questão de estética social, mas há coisas, insignificantes para a maioria das pessoas, que, aos meus olhos, tornam claro que algo está podre.

Isto vem a propósito do discurso de Passos Coelho perante os deputados do seu partido. A determinada altura, certamente embalado com a sua genialidade, o primeiro-ministro afirma: “que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal”. Eu percebo o que ele quer dizer. Está a passar uma mensagem de propaganda partidária ao país: “Vejam como eu sou patriota, e tão patriota que nem me preocupo de perder eleições para ser um salvador da pátria”. E com isto, lá no íntimo, o primeiro-ministro tem a esperança que o reconheçam como herói e o tornem a eleger. Esta propaganda barata não me incomoda, faz parte do ofício dos políticos, e qualquer outro tentaria dizer coisa semelhante.

Também não é o falso desprezo pelas eleições que me causa desconforto. Passos Coelho vive dos resultados eleitorais, e para ele, diga o que disser, o mais importante são os resultados eleitorais. O que acho incompreensível é o “lixem” utilizado pelo primeiro-ministro perante deputados eleitos da nação. Não sou puritano, mas sou muito sensível ao uso da linguagem e acho inaceitável a utilização deste tipo de plebeísmo, a roçar o calão, por alguém que é o principal responsável do país. Que as pessoas falem como querem na sua vida privada, é uma questão de liberdade e bom-gosto pessoais. Quem dirige uma nação, quem representa um povo, quem tem os destinos de uma comunidade em suas mãos, não se pode comportar como uma rapazeco a dizer graçolas e palavras brejeiras.

Eu sei que os portugueses perdoam este tipo de coisas e até acham muita graça (a expressão, com o “lixem” incluído, foi calculada para ter impacto eleitoral). Mas este tipo de acontecimento, que aparenta não ter importância, revela muito do pântano a que se chegou. Na sua pouca importância é, para quem é observador atento das subtilezas da vida pública, mais revelador da degradação das instituições do que o triste e lamentável episódio da licenciatura de Miguel Relvas. Enfim, estou velho e isto causa-me náuseas.

2 comentários:

  1. Li num jornal, que este performer, que nos saiu das urnas, terá participado em tempos num casting no Teatro Politeama.
    Não sei se foi ou não seleccionado, mas não tenho dúvidas de que dava um "compére" razoável numa revista brejeira do La Féria...
    Abraço

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  2. Sim, teatro de revista parece-me algo digno da personagem. Mas o que tudo isto demonstra é que a nossa vida política não passa de uma revista no Politeama. Na verdade, o nível político a que se chegou não é o o D. Maria ou da ópera do S. Carlos, mas do Parque Mayer (sem desprimor para estes).

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